
Enquanto jovem,
foram muitas as vezes que pessoas da aldeia (lá dizemos: o povo, para dizer
aldeia) me pediram para escrever cartas a familiares ausentes e não só. O
analfabetismo era quase geral, daí esta necessidade das pessoas.
Achava sempre
piada, porque muitas vezes nem sabiam o que dizer e punham-me a mim a ter que
inventar assunto!
Outras ditavam a
preceito o que lhes ia na alma! Vou tentar pôr em pé, mais ou menos, o que,
durante anos, ouvi a algumas delas. Por exemplo:
«Meu querido
filho!
Espero que ao
fazer desta te encontres bem. Nós, graças a Deus, cá vamos indo como Nosso
Senhor quer.
Por cá a vida é
de muito trabalho, teu pai anda à jeira para a tia Adelaide do Germano e chega
à noite que nem se pode mexer dos ossos, todos moidinhos de trabalho.
A nossa Maria, coitada,
também se farta de trabalhar. Ainda ontem apanhou sòzinha as batatas do chão do
lameiro e ficou com umas dores nas cruzes, que nem se endireita.
Eu, cá ando
também com os meus achaques! Deu-me uma trambusena um dia destes que se me destimperaram
os intestinos que ia deitando os bofes pela boca!
Tenho andado a
caldo de arroz com cebola e uns panelos de chá de S. Roberto!
O tempo por cá
anda reles.O vento seca tudo e deixa-nos depenados!
Então e tu? Já
arranjaste aí alguma matrafona? Vê lá filho, não te percas com alguma limbelha qualquer
de beiços pintados e roupa à pipi!
Olha que elas
enganam com as suas palavras caras de sete e quinhentos, não valem nada e mal
se entende o que dizem.
Nós temos cá muito boas raparigas e de boas
famílias, pelo menos essas são sérias e entendem-se connosco e com as nossas vidas
cá do campo.
A rapariga do ti
Zé da Henriqueta, está uma rapariga toda jeitosa, se te chegares a ela, acho
que estará a repulir, olha que é mesmo um respigo!...
Vou terminar
esta, porque já vai grande e tu deves ter mais que fazer.
Fico à espra de
receber a resposta a esta carta, na volta do correio e que me contes como vai a
tua vida.
Passo o tempo a
pensar que ainda te perdes por essa cidade do dianho, onde ninguém dá ao menos
a salvação a ningém!
Olha, só mais esta.
A filha do ti Manel da Amélia teve uma menina.
E a mãe do Jaquim
da Mata morreu um dia destes, coitada , também já estava muito velha e coxa.
Recebe um abraço do
teu pai mãe e irmã, que estão mortos para
te voltar a ver.
Até à volta do
correio, desta que s’ assina
Tua mãe».
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