terça-feira, 30 de julho de 2013

A fera
















Há estórias que são história.
Há realidades que parecem ficção.

Num determinado dia, a fera chegou com a família.
Com os olhos baços, os corpos magros e desnutridos.
Aquela família vinha acossada e com muita fome.
O futuro era incerto.
Uma coisa era certa.
Alguém com o mínimo de sensibilidade não podia ignorar.

Foram recebidos com hostilidade naquele novo mundo.
Como se de bichos peçonhentos e repelentes se tratasse.
Como se a fome e a miséria que aparentavam, não fosse suficiente.

Passado algum tempo, a medo, a mãe fera pediu ajuda.
Alguém a encaminhou.
Com gestos submissos e uivos melosos, lá se fez entender.
Impossível ficar indiferente.
A partir daí, as portas daquela outra família onde bateu passaram a ser franqueadas.
Os acossados até então inseguros, ganharam não só um refúgio, como ganharam amigos que até aí nunca tiveram.
Apesar dos olhares de admiração e até de censura das outras famílias residentes.

«Eles não são dos nossos, eles são de má índole, eles são os outros, os desconhecidos, os oportunistas que a qualquer momento podem morder»...

Apesar dos comentários, aquela família ajudou em tudo.
Deu tudo, fez tudo, e tratou-os como uns dos seus.
Desde bens essenciais a tudo o que tornasse menos penosa a vida dos errantes e deserdados da sorte.
Nada pediram que não tivessem com rapidez e boa vontade.

A vida foi melhorando para aquela família de esfomeados.
A pele luziu.
Os olhos brilharam.
Com o amparo de quem os apoiou, conseguiram a custo integrar-se e até impor-se.

Mas…coisa inesperada!...de repente começaram a rosnar.
Mostraram uma dentuça afiada e o verdadeiro carácter.
Morderam a mão de quem lhes deu o pão, a estabilidade e até a dignidade.

Estupefacção.
Afinal aquela família cheia de boa vontade não foi só ingénua.
Foi maldosamente enganada.
Foi injustiçada e agredida.
A fera, essa, parecia não entender o mal que fez.
Continua ladrando com os restantes membros da ninhada. E, diga-se de passagem, tem-nos muito bem treinados.

Lições de vida que deixam marcas fortes.


Abraço. 

sexta-feira, 26 de julho de 2013

As cançonetas




Pensar nisto hoje, até me dá vontade de rir.
Pois é.
Passei a minha juventude a ouvi-las.
Quem as trazia até mim era a Rádio Altitude da Guarda.
Canções ligeiras, leves e vazias.
Serviam apenas para embalar os sonhos de jovens adolescentes, e ajudar a passar o tempo dos mais disponíveis.
O conteúdo era frívolo, sem a preocupação de educar nem de esclarecer fosse o que fosse.

Houve durante anos um programa chamado «Discos Pedidos», que punha tudo maluco.
Exigia que se dissesse uma frase publicitária antes de pedir a música preferida.
«Posso pedir um disco? Posso dizer a frase»?
Blá…blá…blá… blá…
Passava-se o tempo assim naquela alienação e de cabecinhas vazias.

Jovens e menos jovens, sem acesso ao saber e ao mínimo de cultura.

Era assim naquela altura em que a ignorância era apanágio dos governantes.
Salvou a situação a biblioteca itinerante Calouste Gulbenkian que, de vez em quando, passava e disponibilizava livros à escolha para os interessados.

Nem tudo podia ser medíocre! 


Abraço.

terça-feira, 23 de julho de 2013

Aflição






Não é esta a primeira vez que falo aqui do sino da minha aldeia.
Referi como foi importante para as populações em tempos idos.
Fiz várias referências, mas esqueci-me de uma muito importante e até traumática em certas situações.
Não sei muito bem porquê, fui buscar uma lembrança remota, que se encontrava «entalada» entre tantas outras no meu disco rígido.
Isto para dar um ar mais actual.

Lembrei-me de como a aldeia estava mergulhada em silêncio.
Mesmo que fosse dia, ouvia-se o zumbir das moscas, o bichinho da madeira a fazer trre…trre…
Enfim, ouvia-se, como costumo dizer, o silêncio.
Era no meio do silêncio que, de vez em quando, o coração disparava e os corpos tremiam.
Alguém se dirigia ao sino e tocava em ritmo muito acelerado.
Dlão-dlão-dlão-dlão-dlão…
Chamava-se toque a rebate.
Era alarmante e significava grande aflição.
Normalmente era incêndio.
Também me lembro, de poder ser assalto ou outra coisa grave.
O sino era o agente mobilizador.
Nesses momentos, levantava-se uma população inteira e corria aflita.
Se fosse incêndio, não havia baldes, regadores e outros recipientes para carregar água que chegassem.
Em grupo, uns para lá e outros para cá, lutava-se até eliminá-lo.

O sino despoletava a situação, a solidariedade fazia o resto.
Sem água canalizada, sem mangueiras, sem bombeiros, a solução estava mesmo na inter-ajuda.

O sino.

Um objecto que foi tão útil em tempos e hoje não passa de um objecto decorativo.


Abraço.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Isto em que se vive





Todos os dias nos passam pela frente situações e/ou atitudes, que nos deixam desiludidos, surpreendidos e inquietos.
Se formos pessoas atentas, se olharmos para o que se vai passando à nossa volta, então pode instalar-se em nós um sentimento de desilusão, acompanhado de interrogações.
O que irá acontecer connosco, com os nossos jovens, com os nossos idosos, enfim. Com a nossa sociedade.

As relações entre as pessoas são cada vez menos verdadeiras e de ocasião.
Serão muito poucas as amizades de verdade.
Daquelas incondicionais, que nunca falham.
As relações são mais ou menos à distância, com uma boa dose de frieza e movidas quase sempre por interesses.

Mesmo parecendo de boa saúde, há sempre um odor de hipocrisia no ar.
Não se percebendo bem como e porquê, as quezílias estão quase sempre presentes e arruínam o que aparentava ser sossego e harmonia.

Se olharmos para as relações de poder então, para os governantes por exemplo, é de fugir.
Diria até que são um mau exemplo para qualquer um.
Dentro e fora daqueles aposentos repletos de nobreza, perpassam doses de intrigas, golpes baixos e traições.
Apesar dos «filtros», não passam despercebidas.
   
Tudo se complica, quando os maus exemplos vêm de cima.

A sociedade está doente.
Como escapar disto?

Só com muito boa vontade se vive aqui

Abraço.

terça-feira, 16 de julho de 2013

Morno e calmo


 


















É assim que o «meu mar» se encontra de há uns tempos a esta parte.
Diria até que, para lá destes dois estados, se encontra também um pouco solitário.
Porquê?
Porque este ano só por alguns dias teve companhia a sério.
Por incrível que pareça, até as gaivotas o abandonaram.
É mesmo verdade.
As inseparáveis companheiras do mar, não se vêem por aqui.
Um fenómeno que não é habitual.
Alguém vai ter que me explicar o porquê deste acontecimento.

Restam alguns aficcionados de praia mais afoitos.
Ah!
E, coisa única: golfinhos!
É isso mesmo.
Os golfinhos passeiam-se por aqui como nunca se viu.
Saracoteiam-se alegres e brincalhões como se não houvesse crise!...
É muito bonita de se ver esta dança.
Muito próximos da beira-mar, dão saltos exímios e descontraídos.
Até parece que desafiam quem, deliciado, os observa.
Só por isso, este mar deveria estar feliz.
Este acontecimento não é nem pouco mais ou menos habitual nesta zona.
São momentos bem passados os que reservo a observar aqueles seres cheios de graça.
E tão meigos!...
Apetece-me dar-lhes uma grande salva de palmas.

«Louca» - diriam alguns.
Outros, enternecidos como eu, aplaudiriam também, quem sabe?!

O mar, bonançoso como está, se calhar também está de camarote a gozar o espectáculo!...
Por isso, tanto respeito
Que belo que é o mar.
Calmo ou, quando perde a compostura, sempre um belo e bom gigante.


Abraço.  

domingo, 14 de julho de 2013

Vistas curtas




Pois é.
Quando as vistas são curtas tudo se complica.
Mais ainda quando se trata de um país.
Quando os governantes são tacanhos, o país não evolui.
Não se desenvolve.
Não tem condições para criar riqueza.
Nem emprego.
Não investe na saúde, na educação e no ensino.
Não dá condições para que se possa ter uma vida minimamente digna.

Quando assim é, tudo falha.

Um país com dirigentes de vistas curtas só pode gerar uma sociedade tacanha e pouco esclarecida.
Logo, pouco dinâmica e insegura.
Uma sociedade sem capacidade de iniciativa, que actua mais ou menos ao sabor do instinto e das oportunidades.

E nos núcleos familiares?
Aí, as falhas são muitas.
A maior parte das pessoas não está preparada para enfrentar as dificuldades.
A educação dos filhos não se pode assacar a pais a quem não foram dadas bases.
A quem não foi proporcionada uma oportunidade de se cultivar.
Num país onde a educação, o ensino e a cultura são postas em segundo plano, não se pode esperar que os cidadãos sejam mais que medianos.

Vistas curtas, que pena!
 

Abraço.

sábado, 13 de julho de 2013

O mestre





O mestre é um homem meão e magricela.
Contudo, distingue-se no meio de tantos outros mais ou menos parecidos.
Veste-se quase sempre de cinzento e usa um boné da mesma cor.
Tisnado pelo sol, tem no rosto esculpido o mapa da vida.
Uma vida por certo muito dura e de risco elevado.
Sim, porque o mar não brinca!
E ele enfrenta-o quase todos os dias.
E como é rudimentar a embarcação que utiliza!
É aquilo o que por aqui se designa de Gaivota.
Transporta quatro ou seis homens que remam, e ele mesmo, sempre em pé.

O cerimonial que antecede a saída para o mar é lento e rodeado de cuidados.
Ele, o mestre, comanda a operação.
Com a embarcação (que foi transportada da areia por um tractor) já encostada à água e com todos já lá dentro, esperam pacientes as ordens do mestre.
É ele que estuda o mar, é ele quem conhece as ondas e é ele que sabe qual é o momento certo e sem perigo para entrar.
Há dias em que demora mesmo um bom bocado.
Ele, de olhos fixos no horizonte, espera pacientemente.

Dá gozo observar a mestria e o cuidado com que tudo é feito.
Aquela figura castiça, franzina e pequena, tem consigo a força e a sabedoria da arte da pesca.

Finalmente a ordem.
UP!
Um magote de homens empurra a embarcação que, mais ou menos balançando, enfrenta o mar.
Já afastados, ao largo, lançam as redes.

O resto depende da sorte.
Ah! E dos golfinhos que agora se passeiam por estas águas e espantam o pescado.
Nem tudo é perfeito.


Abraço.     

terça-feira, 9 de julho de 2013

Eu não faço mais, Sr. Professor
















Isto disse o menino Paulinho quando foi apanhado a fazer umas traquinices.

É um menino muito hábil e retorcido nas relações com os outros, o menino Paulinho.
Quer muito ser o maior.
Mas ao dar-se conta de que tinha ido longe demais, desapareceu.
Desapareceu e deixou todos em pânico.
E agora como vai ser?
Ele, matreiro e muito rato, mostrou-se só um bocadinho.
Cucu… Cucu…
Eu apareço, mas…
Mas o quê, Paulinho?
Nhênhênhênhênhêêê...
Tenho as minhas condições.
Quero ser o chefe e não quero brincar mais com a Mariazinha!
Vamos pensar.
Mas tens de pedir desculpa e prometer que não foges mais.
O senhor professor está à espera.
O menino Paulinho decidiu-se antes que fosse tarde.
Sr. Professor, prometo que não faço mais traquinices.
Desculpe.
Vou ser o melhor de todos os meninos que brincam comigo.

E assim continuam os meninos daquela escola.
Brincam alegremente aos crescidos e obedecem a quem é mais chefe que eles!...

Que bonitinho, não é?

Abraço. 

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Crescer na província






Decididamente sou uma provinciana de raiz.
Dou comigo a pensar como foi generoso comigo o destino.
Nasci e cresci na província, rodeada de tudo o que a natureza tinha para me dar.
Contactei, toquei e explorei tudo o que havia para explorar.
Depois, tive também o privilégio de fazer a minha socialização que, embora controlada, foi saudável e enriquecedora
A variedade de opções, os espaços, os afectos, enfim, um sem fim de regalias.
Para completar, tive a sorte de ter uns pais que sentiram a necessidade de me mostrar novos horizontes.

Aos seis anos levaram-me a fazer uma viagem que me mostrou pela primeira vez o tão misterioso mar.

A Nazaré e a Figueira da Foz foram as escolhidas.
Lembro-me do impacto que isso teve em mim.
Aquela quantidade imensa de água deixou-me encantada e surpreendida.
Devo dizer que não me meteu medo.
Simplesmente me impressionou.
Brinquei imenso na areia.
E, maravilha das maravilhas, encontrei lá aquilo que para mim foi um tesouro.
Montes de conchas lindas.
Pedrinhas de todos os tamanhos, cores e feitios.
Trouxe para casa um saco cheio que fez não só as minhas delícias, como as das minhas amigas.
Foram pretexto para criar, inventar e viver situações de fantasia que nos fizeram muito felizes.

Viver em liberdade e rodeada de amigas e de família, fez de mim a pessoa afectiva que sou hoje.
Essa faceta sempre foi uma mais-valia.


Abraço. 

sábado, 6 de julho de 2013

Pelo menos em sonhos




Há várias interpretações para definir os sonhos.
Para mim, a mais simples é a que diz que são uma forma de aliviar a mente.
Penso assim, de uma forma amadora, que serão pequenos momentos de recreio para o cérebro.
É claro que isto não será bem assim.
Os cientistas iam rir-se de mim, se me lessem.
Mas é claro que não corro esse risco.

Bom, é que uma noite destas acordei feliz e com lágrimas.
Tive um sonho que considero de sonho!
Passeava num sítio onde o verde predominava.
A água corria em cascatas pelas ruas com casas caiadas de branco.
As ruas estavam meticulosamente limpas.
Sem poluição de nenhuma espécie.
O ar corria sereno mas fresco.
As pessoas eram alegres e educadas.
Relacionavam-se com delicadeza e falavam baixo.

Naquele país, que por segundos foi o meu, todos tinham emprego e apoios à saúde e educação.
Andava-se em veículos silenciosos, e passeava-se a pé.
As crianças estavam de férias.
Não se viam na rua sem rumo e desocupadas.
Eram acolhidas e apoiadas em centros de jovens, onde profissionais qualificados lhes proporcionavam a aquisição de conhecimentos e os ajudavam a desbravar caminhos, que nas suas cabecitas jovens ainda eram muito confusos.

Ninguém sabia o que eram faltas de apoio e solidariedade.
Os idosos eram estimados e considerados mestres de sabedoria.
Vivia-se em sociedade e com amizade.

O meu sonho deu-me, por alguns momentos, o privilégio de ver e sentir como era viver numa sociedade perfeita.

Pura ilusão.
Não há sociedades assim.

A lágrima de emoção com que acordei foi limpa.
Encarei o mundo possível e levantei-me para iniciar mais um dia neste, que não tem nada a ver com aquele outro mundo em que vivi por alguns momentos

É capaz de ser verdade.
Os sonhos às vezes são mesmo um pequeno recreio.
Uma terapia, quem sabe?


Um abraço.   

quarta-feira, 3 de julho de 2013

O gosto pelas cantigas





Desde sempre gostei de cantar.
Canto, mesmo quando não estou muito nos meus dias.
A música, o ritmo, proporcionam-me muito bem-estar.
Tenho passado grande parte da minha da minha vida a cantarolar, ou mesmo a cantar.
Enquanto trabalhei, cantei para e com as crianças do infantário.
Eram sempre momentos de alegria e grande diversão.
As crianças adoravam o momento e, para dar fim a essa actividade, era sempre complicado.

Bom, mas esta conversa foi apenas para introduzir o tema, porque ao ver ontem e hoje a televisão, me lembrei de uma cantiga que falava de confusão, de reinação, de palhaçada, enfim, tal e qual o que se tem passado à minha frente sempre que olho para o pequeno ecrã.

Uns meninos grandes a brincar aos palhaços, ao bate e foge, ao vai e volta, etc..
É pena que não me divirtam como a cantiga divertia as crianças.
Antes pelo contrário.
Deixam-me com um sentimento de indignação e perplexidade que não me deixa nada confortável.
Adoro ver crianças a brincar.
Garotada grande, irrita-me e deprime-me.

Portugal merecia mais.
Não há por aí gente sem a síndrome da garotice?
De certeza que há.

Apareçam por favor.


Abraço.