Há estórias que são história.
Há realidades que parecem ficção.
Num determinado dia, a fera chegou com a família.
Com os olhos baços, os corpos magros e desnutridos.
Aquela família vinha acossada e com muita fome.
O futuro era incerto.
Uma coisa era certa.
Alguém com o mínimo de sensibilidade não podia ignorar.
Foram recebidos com hostilidade naquele novo mundo.
Como se de bichos peçonhentos e repelentes se tratasse.
Como se a fome e a miséria que aparentavam, não fosse
suficiente.
Passado algum tempo, a medo, a mãe fera pediu ajuda.
Alguém a encaminhou.
Com gestos submissos e uivos melosos, lá se fez entender.
Impossível ficar indiferente.
A partir daí, as portas daquela outra família onde bateu
passaram a ser franqueadas.
Os acossados até então inseguros, ganharam não só um
refúgio, como ganharam amigos que até aí nunca tiveram.
Apesar dos olhares de admiração e até de censura das outras
famílias residentes.
«Eles não são dos nossos, eles são de má índole, eles são os
outros, os desconhecidos, os oportunistas que a qualquer momento podem morder»...
Apesar dos comentários, aquela família ajudou em tudo.
Deu tudo, fez tudo, e tratou-os como uns dos seus.
Desde bens essenciais a tudo o que tornasse menos penosa a
vida dos errantes e deserdados da sorte.
Nada pediram que não tivessem com rapidez e boa vontade.
A vida foi melhorando para aquela família de esfomeados.
A pele luziu.
Os olhos brilharam.
Com o amparo de quem os apoiou, conseguiram a custo
integrar-se e até impor-se.
Mas…coisa inesperada!...de repente começaram a rosnar.
Mostraram uma dentuça afiada e o verdadeiro carácter.
Morderam a mão de quem lhes deu o pão, a estabilidade e até
a dignidade.
Estupefacção.
Afinal aquela família cheia de boa vontade não foi só
ingénua.
Foi maldosamente enganada.
Foi injustiçada e agredida.
A fera, essa, parecia não entender o mal que fez.
Continua ladrando com os restantes membros da ninhada. E, diga-se
de passagem, tem-nos muito bem treinados.
Lições de vida que deixam marcas fortes.
Abraço.