A aldeia estava quieta.
Apenas os sons normais e domésticos do dia-a-dia.
Um automóvel ou outro.
Um carro de vacas que passava a chiar, um burrito que
trauteava, um porco que grunhia!...
E o cão, que na sua missão de guarda, tentava fazer-se ouvir.
Báu, báu, báu…
De repente um som sobressaía.
O sino da igreja dolente, tocava a finados.
Começava aí um marulhar de sons meio abafados, que impunham respeito.
Era o toque para o início da cerimónia anual.
A aldeia em peso deslocava-se até à igreja e ocupava o seu
lugar.
Aquele espaço ficava repleto.
A cor predominante era o preto.
Os semblantes carregados seguiam os preparativos para a
cerimónia.
No meio da igreja, um esquife simbolizava a morte dos entes
queridos.
Um grupo de sacerdotes (talvez oito) também de preto, ora
sentados ora em pé, rezavam, cantando, em latim.
Era longa, triste e dolorosa a cerimónia.
Seguia-se a missa composta de um sermão, feito por aquele que
era considerado o melhor orador.
Esse orador era esforçado.
Dirigia-se ao púlpito (um lugar nobre da igreja) e falava
dos que já tinham partido.
Com uma voz inflamada, falava dos mortos e ia apontando o
dedo para este e aquele, na perspectiva de que todos já tinham sido atingidos.
Ouvia-se um fru-fru de roupas e corpos que se mexiam, sons
abafados de choros contidos.
O orador, vermelho do
esforço, tentava melhorar a sua prestação, repetindo e dirigindo-se aos que
visivelmente estavam mais emocionados.
Aconteciam lágrimas, muitas, soluços mais ou menos contidos
e tristezas engolidas.
Era uma cerimónia recheada de emoções exploradas.
Tétrico.
É assim que hoje e a esta distância eu rotulo o que a igreja,
na sua ingenuidade (?), fazia em prol dos nossos entes queridos.
Na sequência disto, acontecia um retrocesso no luto que para
muitos já tinha sido feito: voltavam as dores da morte dos entes queridos.
O dia acabava bem mais triste do que tinha começado.
O cheiro enjoativo a velas permanecia por algum tempo.
O revolver de lembranças e tristezas deixava a aldeia num silêncio
que doía.
Os nossos mortos estão sempre connosco.
Será que seriam necessárias cerimónias tão tenebrosas?
Que descansem em paz.
Abraço.