quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O dia do Aniversário das Almas



A aldeia estava quieta.
Apenas os sons normais e domésticos do dia-a-dia.
Um automóvel ou outro.
Um carro de vacas que passava a chiar, um burrito que trauteava, um porco que grunhia!...
E o cão, que na sua missão de guarda, tentava fazer-se ouvir.
Báu, báu, báu…

De repente um som sobressaía.
O sino da igreja dolente, tocava a finados.
Começava aí um marulhar de sons meio abafados, que impunham respeito.
Era o toque para o início da cerimónia anual.
A aldeia em peso deslocava-se até à igreja e ocupava o seu lugar.
Aquele espaço ficava repleto.
A cor predominante era o preto.
Os semblantes carregados seguiam os preparativos para a cerimónia.
No meio da igreja, um esquife simbolizava a morte dos entes queridos.
Um grupo de sacerdotes (talvez oito) também de preto, ora sentados ora em pé, rezavam, cantando, em latim.
Era longa, triste e dolorosa a cerimónia.
Seguia-se a missa composta de um sermão, feito por aquele que era considerado o melhor orador.
Esse orador era esforçado.
Dirigia-se ao púlpito (um lugar nobre da igreja) e falava dos que já tinham partido.
Com uma voz inflamada, falava dos mortos e ia apontando o dedo para este e aquele, na perspectiva de que todos já tinham sido atingidos.
Ouvia-se um fru-fru de roupas e corpos que se mexiam, sons abafados de choros contidos.
O orador, vermelho do esforço, tentava melhorar a sua prestação, repetindo e dirigindo-se aos que visivelmente estavam mais emocionados.
Aconteciam lágrimas, muitas, soluços mais ou menos contidos e tristezas engolidas.
Era uma cerimónia recheada de emoções exploradas.
Tétrico.

É assim que hoje e a esta distância eu rotulo o que a igreja, na sua ingenuidade (?), fazia em prol dos nossos entes queridos.
Na sequência disto, acontecia um retrocesso no luto que para muitos já tinha sido feito: voltavam as dores da morte dos entes queridos.
O dia acabava bem mais triste do que tinha começado.
O cheiro enjoativo a velas permanecia por algum tempo.

O revolver de lembranças e tristezas deixava a aldeia num silêncio que doía.

Os nossos mortos estão sempre connosco.
Será que seriam necessárias cerimónias tão tenebrosas?
Que descansem em paz.

Abraço.


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