sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

A verdade é importante











A verdade é uma «palavra» importante e passa despercebida no meio de tantas e tantas outras, que são pronunciadas milhares de vezes por milhares de pessoas, milhares de vezes ao dia.
A maior parte das vezes nem sequer nos damos conta do seu significado, esquecemo-nos que dela depende tudo o que fazemos na vida.
A forma como exercemos a nossa profissão, a forma como nos relacionamos com os outros, a forma de realizar compromissos pessoais ou outros, a forma como somos dirigidos, governados, etc…
É tão importante e às vezes é tão vilipendiada e desonrada.
É nosso dever transmitir aos mais jovens todos os valores que a pouco e pouco se vão perdendo, e este, o da verdade, devia estar inserido no primeiro lugar.  
Ensiná-los a exigir seriedade e verdade na relação com os outros.
Começar o novo ano tendo em conta esta causa – que tal?
Abraço.    

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Gratidão é precisa










Quando estamos necessitados de amparo, ficamos muito reconhecidos a quem nos dá a mão, o ombro, não só para desabafar as mágoas, mas também para assim, nos sentirmos mais seguros. Ficamos reconfortados quando respondem ao nosso chamamento, quando nos recebem com um sorriso de amizade e quando nos ajudam a ver mais claro o caminho que ás vezes parece não ter saída.
Nesses momentos sentimos que afinal não estamos sós, que perto de nós há alguém que se preocupa connosco e não nos ignora.
Já servidos agradecemos muito, venerandos e obrigada, adeus, adeus e prosseguimos com a nossa vida, agora com um novo fôlego.
Acontece que há casos (e não são tão raros assim) em que quem serviu se vê muitas vezes ignorado e posto de parte, outros «valores mais altos se alevantam», arranjam-se novos interesses de vida e sociais, e pumba, o que é de quem nos deu a mão na hora da aflição?...
A ingratidão é filha do egoísmo e do mau carácter.
É sobretudo falta de cultura e de civismo. Como se costuma dizer, as acções ficam com quem as pratica.
Só é pena que a falta de valores se sobreponha ao sentimento bonito que é o reconhecimento e a gratidão!...
Falta de bom senso e de amizade é dose!...
Abraço.   

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Desabafo











Felizmente não sou uma pessoa que dependa da televisão para ocupar o meu tempo, ou simplesmente, para me servir de companhia. Limito-me a ver os noticiários que enjoam com a crise, com a propaganda eleitoral e com as notícias das desgraças, repetidas até à exaustão, ou com um ou outro programa engolido sem gosto e com alguma indiferença.  
Contudo, não posso esquecer aqueles (as) que, por motivos vários, estão em casa impossibilitados de sair e cuja única distracção, é aquela caixa mágica. Dela dependem quantas vezes, para esquecer as agruras da vida!
Bom, mas então o que é que lhes é servido?
Uma panóplia de programas desprovidos de um mínimo de qualidade, embrutecedores, estupidificantes, que em vez de ajudarem a exercitar o cérebro, o torna cada vez mais parado, mais preguiçoso, e alienado. É revoltante ver gastar tempo e dinheiro (de todos nós, no caso dos canais públicos) de uma forma tão vazia e inútil.
Que programas deprimentes passam à frente dos nossos olhos!
Que futilidades, que esvaziamento cultural a que nos sujeitam!
O que passa pela cabeça dos «donos» das televisões? Será que só as audiências é que contam?  
E a televisão pública, será que não sente obrigações?
Será que a palavra cultura saiu do vocabulário dos responsáveis?
Depois querem que os valores, os princípios, a história, as tradições do nosso país continuem vivas.
Na minha perspectiva, estamos a caminhar a passos largos para o reino da ignorância.
Não é com programas tipo caridadezinha e lamechices que se cultiva o povo, que se tira da insatisfação e dificuldades em que já se encontra.
Merecíamos melhor, merecíamos programas de qualidade, e que não nos passassem atestados de imbecilidade.
Programas divertidos e com conteúdo.
Abraço.
               

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Toca a mexer



No fim das festas de Natal e Ano Novo e depois de ingeridas todas as delícias próprias da época, a nossa gula, agora saciada, fica à espera da próxima. A única atitude sensata, é tentar reparar os danos: eliminar as calorias ingeridas e desnecessárias, começando a mexer.  
No que me diz respeito, já comecei. Duas horas de ginásio três vezes por semana e uns passeios nos intervalos, aliados a uma alimentação moderada, com ausência de açúcar e gorduras.
Esta forma de estar na vida pode parecer um exagero, mas acho muito sinceramente que não é. É apenas uma tentativa de proteger a saúde e não deixar que gorduras supérfluas se instalem, que os ossos endureçam e as articulações se mantenham «oleadas» e sem dificuldade nos movimentos.
Para que o coração bata sem esforço de maior e que o cérebro se aguente vivo por mais tempo.
È claro que é agradável sentir que o físico também beneficia com todos estes gestos.
A nossa auto-estima agradece, mas a saúde agradece ainda mais.
A prevenção de doenças súbitas, passa muito por estes gestos regulares.
Depois, a alimentação saudável, com refeições pequenas e repartidas ao longo do dia, e com o açúcar fechado na despensa, são a chave para o sucesso.
Sou testemunha disso: resulta mesmo.
Não quer dizer que, uma vez ou outra, não se faça uma traquinice!...
Espero que o meu testemunho ajude a ganhar coragem para, algum (uma) mais corajoso (a) dê início a uma vida mais saudável.
Era uma boa decisão para iniciar um novo ano!...
Boas Festas.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Boas Festas



Bom Natal. E Bom Ano.
Para os amigos que me lêem ou apenas me visitam por casualidade, envio um saco cheio de afecto, e um abraço de ternura e amizade.
Que o Ano Novo traga tudo o que for melhor para sermos felizes.
 Abraço.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Expressão facial












A expressão facial é uma espécie de espião que nos denuncia a cada momento. Por muito que queiramos esconder o que sentimos, dificilmente o conseguimos.
Felicidade, tristeza, indiferença, perplexidade, altivez, raiva, etc. – tudo o nosso rosto revela; trai-nos duma forma que, às vezes, se torna embaraçosa.
A nossa expressão mostra a todos o que gostaríamos que fosse só nosso. Expõe a nossa privacidade, não a respeita, deixa-nos desnudados, quase a sentirmo-nos envergonhados por sermos apanhados na nossa intimidade.
Estamos numa época festiva, devíamos andar todos felizes, mas o que se constata na rua é um pouco o que acabo de descrever: sorrisos fechados, gente mal-humorada, sem paciência, e carrancuda.
Porque será? Está tudo tão bem na vida! Não há desemprego, a assistência na saúde não podia ser melhor, a educação e a cultura uma maravilha, estabilidade não falta. 
Então porque não andamos todos felizes?
Devia haver uma forma de enganar a expressão, de a trair como ela nos trai a nós.
Assim podíamos fazer um esforço, pormos um sorriso bonito e parecermos todos contentes, ainda que o sorriso fosse postiço e, no fundo, não convencesse ninguém!...
Quantas pessoas fazem este jogo de faz-de-conta a vida toda?
Abraço.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Na janela do meu quarto











Na janela do meu quarto, quase todos os dias de manhã, sou presenteada com uma serenata. Um pássaro de estilo dinâmico, dá-me música.
Uma música ora calma como que a conversar com alguém, outras vezes acelerada e entusiasmada que parece de incentivo.
Depois de insistentes e repetidos trinados, ouve-se um chilrear e um bater de asas colectivo que deixa para trás um som meio surdo que se assemelha a uma rajada de vento longínqua. 
Sou levada a pensar que aquele pássaro, madrugador e persistente, é o dinamizador de um grupo desmotivado e sem energia – retirada pelo frio e pela chuva a que têm estado expostos.
Aquele pássaro, certamente com os mesmos problemas, conseguiu com a sua tenacidade tirar os seus da apatia e do desânimo.
Em todo o dia, não os ouvi mais.
No fim da tarde, vejo um grupo regressando para o seu local preferido: a árvore frondosa e de folha perene do meu quintal.
Felizmente, também há gente assim!...
Como este pássaro: com garra!...
Abraço.    

domingo, 19 de dezembro de 2010

A paixão das gaivotas




Hoje o mar não estava para amar.
Com as ondas a fustigar as muralhas da fortaleza em Sesimbra, carrancudo, ameaçador, impunha-se. As sempre fiéis gaivotas, com respeito, perfilavam-se.
E, perante aquela força imensa, cabisbaixas, olhavam-no impotentes.
O almoço estava em risco.
Dependentes do mar para se alimentarem, o inverno não é, de todo, a estação sua preferida.
Apesar disso, havia ainda uma réstia de esperança: atrás das vagas revoltosas, lá longe, dois barquinhos de pesca artesanal bamboleavam-se e prometiam não demorar.
Era essa a certeza daquele bando, que insistia em não arredar pé da areia molhada que afinal é a sua casa – às vezes mais, outras vezes menos confortável.
Depois de dias consecutivos de temporal, dá pena vê-las em lamentos tristes à volta das lixeiras putrefactas mais próximas.
Elas, as rainhas do mar, humilhadas e vencidas pela fome!...
Parecem órfãs e sem amparo, sem rumo definido.
Onde irão pernoitar?
Sem dúvida que os dias de sol e mar calmo são esperados com ansiedade…
Também as gaivotas têm os seus amores e as suas paixões.
Abraço.  

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

As noites mais longas












O inverno está aí no seu pleno. Os dias gélidos apanharam-nos a todos de surpresa, os agasalhos que ainda não tinham saído do canto mais escondido do roupeiro saltaram à pressa para os corpos a precisar de aconchego.
E que bem que sabem. Com eles temos a sensação não só de conforto, mas também de que estamos à altura do «combate» a travar.
As noites são infindas, propícias ao isolamento, sobretudo entre as pessoas idosas, tantas vezes a morar sozinhas e sem apoios.
Pessoalmente, gosto do inverno, do frio, da chuva – e, sobretudo, gosto de a ouvi cair forte no telhado e nas janelas.
Nesses dias, o que mais aprecio é uma boa música e uma boa leitura.
Isso, é claro, à volta de uma lareira que se faça notar pelos seus troncos cor de fogo incandescente.
Também o vai-vem das pessoas na rua, muitas vezes fugindo da chuva e lutando contra o vento, completam o cenário invernoso que se apresenta oportuno.
Para a situação ser perfeita só era preciso que não houvesse sem-abrigo e que toda a gente tivesse o suficiente para se sentir digna do nome.
Abraço.
       
     

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Relações














Durante toda a nossa vida, por situação pessoal ou profissional, somos confrontados com relações que às vezes são um prazer, outras uma tortura, um suplício, um poço de surpresas… Estas dão-nos água pelas barbas, tentamos perceber os porquês de atitudes que sem aparente motivo acontecem, tentamos compreender, ponderando e pesando as vidas pouco fáceis e quantas vezes frustrantes que os que nos são mais ou menos próximos têm… enfim, tentamos perceber, respeitar, para assim tentar um convívio mais calmo e mais civilizado.
Até experimentamos aumentar os sinais de afecto, mas parece que batemos em ferro frio. A insensibilidade e a indiferença permanecem.
Desistir? Tornarmo-nos todos uns indiferentes, amorfos, múmias?
O que será preciso mais para aquecer os corações?
Deixemo-nos de faz-de-conta, se não há nada dentro de nós em relação àqueles que nos rodeiam, é melhor sermos honestos e abrir o jogo e aí sim… corre a cortina e termina o espectáculo.
Seríamos assim, de certeza, mais íntegros e mais felizes.
Estamos no Natal. Era bom que pensássemos um pouco na forma como estamos a fazer a gestão dos nossos relacionamentos.
A verdade é muito importante para sermos felizes.
Abraço.              

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Rotinas











É bom poder alterá-las. Foi o meu caso hoje. Pedi desculpa ao ginásio a que sou fiel quase todas as manhãs e fui procurar as paisagens limítrofes. Neste dia lindo e com a disponibilidade que tenho neste momento, achei oportuno variar.
Rumei á Arrábida, à bela serra da Arrábida, resplandecente de verde, aquele verde de vários tons e que nos mostra um «dégradé» único que nos enche o olhar e o coração. As suas árvores de folha perene que não se comovem com Outonos, invernos, e demais estações sempre verticais e lustrosas. A descida da serra então, é de cortar a respiração: toda aquela beleza parece desaguar no mar que se estende magistral a seus pés.
Voltei ao meu canto com os olhos e a alma cheia. Portugal é bonito e este recanto não foge à regra.
É um privilégio poder respirar o seu ar sem poluição.
Abraço. 

sábado, 11 de dezembro de 2010

Insólito











Num fim-de-semana solarengo e movimentado em Sesimbra e durante uma caminhada em passo rápido na baía, passa-se por centenas de anónimos cada um no seu mundo.
No meio de uma conversa animada e descontraída, a surpresa acontece. Fazendo ouvir a sua voz segura e consciente da surpresa que ia provocar, eis um velho cidadão com cara de pescador, que diz:
– Boas tardes, senhores.
– Como? – perguntámo-nos com o olhar expectante.
Durante uns segundos hesitámos, mas logo os dois ao mesmo tempo voltámos para trás e saudámos a pessoa com um aperto de mão.
Dissemos:
– Falta de hábito, é desta sociedade... Desculpe.
E ficámos ali à conversa com ele uns bons cinco minutos.
A falar sobre a tal sociedade desumanizada e sem valores que já nos transformou nestes andantes aluados e egoístas.
Vimos alegria no seu olhar!.. Já fez isto a outras pessoas e nem resposta.
Notava-se que estava com um copito, mas apenas o suficiente para ter o à-vontade de dizer o que lhe vai na alma todos os dias.
Também nós ficámos melhor por termos dado razão e atenção a quem por certo a precisava.
Quando regressámos, a pessoa já não estava. Provavelmente, foi contar o sucedido a alguém...         
Grande lição de civismo que este cidadão pacato e conhecedor dos bons princípios nos deu naquela tarde em Sesimbra.
Abraço.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

O mar


Ó mar salgado, quanto do teu sal / são lágrimas de Portugal!...
Sempre que me aproximo desse colosso que é o mar, recordo este poema, que acho uma prenda que nos deixou o nosso grande poeta Fernando Pessoa.
Também a mim o mar me diz muito. É meu vizinho há já alguns anos e sei quando está calmo ou irritado. O troar das suas ondas é esclarecedor, a atracção que sinto por ele é merecida, o «diálogo» que travamos é vivo e forte, interactivo e às vezes sereno e apaziguador. É meu confidente, o mar. É um amigo de eleição, ouve-me durante as longas caminhadas sem se cansar, às vezes ruge zangado mas rapidamente volta a serenar. Dá-me a música emitida pelas gaivotas, que ao mesmo tempo se exibem, bamboleando as suas longas asas.           
Recebe-me a todas as horas, ouve-me e não pede nada em troca.
Bem-hajas, mar, pela tua presença, já aqui mesmo ao lado.
Abraço.    

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Natal não é circo


É uma pena que tivessem transformado o Natal tradicional neste circo consumista e desbragado, que são as corridas às catedrais de consumo. São filas de gente apressada e de olhar alucinado com as mãos cheias de sacos onde há prendas de toda a espécie, menos aquela que mais interessava: tantas prendas e por vezes delas não faz parte a amizade.
É um pouco postiço e sem alma isto em que se transformou a tradição milenar e cheia de simbolismo.
Penso que é por vivermos num tempo tão conturbado e cheio de problemas.
Isso nem sequer dá espaço para pensar um pouco.
Por isso nos servimos da situação para, embora duma forma alienada, esquecermos os problemas que nos afligem a todos. Para, pelo menos uns dias, conseguirmos viver a vida de uma forma mais leve, mais descontraída – contudo também mais vazia e sem conteúdos.
… E se tentássemos aos poucos melhorar e passarmos aos mais jovens uma nova forma de viver o Natal?
Desejo muitos e muito bons momentos para todos, nesta altura que deveria ser de paz e muito afecto.
Abraço.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Reflexão










Sei que este assunto poderá estar um pouco fora do contexto habitual do dia-a-dia de muita gente, mas às vezes é preciso ter contacto com outras realidades, parar um pouco para pensar.  
A propósito de uma observação diária, ao vivo e em directo, dei comigo a pensar em como a vida é injusta, às vezes até agressiva, para a maior parte das mulheres. Apesar da igualdade de direitos já adquirida, a mulher continua a ser aquela que, salvo excepções, sente na pele o maior peso no seu dia-a-dia. E quando digo «peso», quero dizer também, peso físico. Para lá da sua actividade profissional que é normalmente exigente, ela corre para casa onde a espera a tarefa imensa de dona de casa, mãe e educadora. Ela corre para o infantário onde deixa o filho apressadamente, sem tempo sequer para se despedir com calma e tempo, para que ele fique tranquilo e estável. Corre para o emprego onde a maior parte das vezes é explorada e mal paga, corre para as compras onde tem que se controlar para não desequilibrar o orçamento. Corre, corre, para que nada falte. No fim do dia, exausta, ainda tem que ter um sorriso para o marido, disponibilidade para as crianças e, já a cair para o lado, contar com a ternura possível a historinha da praxe quando vão dormir. Ao homem, educado ainda segundo a mentalidade arcaica dum passado já distante, resta-lhe receber das mãos da mulher as refeições a horas, a roupa lavada e passada a ferro, e claro, se for possível não dar sinal de cansaço. Não quero com isto dizer que não haja excepções, mas ainda não é assumida a colaboração normal e sem diferenças. Às vezes, ele faz o favor de pôr a mesa, sacudir a toalha e sente o dever cumprido. Talvez a alguns esta minha pequena reflexão pareça demasiado radical, mas a verdade é que esta realidade existe, a mulher continua a ter um papel de exigência, que a obriga a uma sobrecarga e a impede de olhar para si própria, esquece-se de que existe, cai no desleixo, perde a auto-estima.
Era tempo de mudar mentalidades, para bem de todos. A propósito, veio-me à memória um poeta que marcou a minha juventude: António Gedeão. Para além de outros igualmente significativos, ele deixou um poema muito forte, que descreve na perfeição este tema. Chama-se «Calçada de Carriche» e refere estas questões:

«(…) Anda, Luísa, / Luísa, sobe, / sobe que sobe, / sobe a calçada. / Chegou a casa / não disse nada. / Pegou na filha, / deu-lhe a mamada; / bebeu a sopa / numa golada; / lavou a loiça, / varreu a escada; / deu jeito à casa / desarranjada; / coseu a roupa / já remendada; / despiu-se à pressa, / desinteressada; / caiu na cama / de uma assentada; / chegou o homem, / viu-a deitada; / serviu-se dela, / não deu por nada. / Anda, Luísa. / Luísa, sobe, / sobe que sobe, / sobe a calçada. / Na manhã débil, / sem alvorada, / salta da cama, / desembestada; / puxa da filha, / dá-lhe a mamada; (…) salta para a rua, / corre açodada, / galga o passeio, / desce o passeio, / desce a calçada, / chega à oficina / à hora marcada, / puxa que puxa, / larga que larga, / puxa que puxa, (…)»

Afectos









Os afectos são o pilar das nossas vidas. São eles que nos ligam de uma maneira saudável a quem nos rodeia. É impossível ser feliz, se transformarmos a nossa vida num mundo pequenino, que não nos deixa espaço para olharmos para os que precisam de nós.
Um ombro, um abraço, um sorriso, fazem a diferença.
São gestos que reconfortam e fazem os outros sentir-se melhor. Às vezes é difícil descermos do nosso pedestal, quantas vezes imaginário, e parar para pensar.
Há muito mais para lá do nosso mundinho efémero e arrogante. Há um mundo de valores a defender e entre eles temos a amizade, a ternura, as relações de solidariedade, a lealdade com todos os que nos rodeiam, a inter-ajuda e tantos outros igualmente importantes.
Depois, temos que pensar que de um momento para o outro, tudo pode ficar diferente e sermos nós a precisar dos que ignorámos. A vida é uma passagem, vale a pena vivê-la em paz.

O frio lá fora








Novembro começa a mostrar os dentes arreganhados de frio.
Lá fora é noite, uma longa noite de inverno que ameaça chuva.
Cá dentro, saboreia-se o aconchego do calor da lareira que crepita. O silêncio deixa ouvir o ronronar dos gatos amantes do calor e da comodidade que os rodeia. Os donos, no fim dum dia preenchido, tentam limpar o cérebro da poluição ambiente e sonora.
É bom ter este privilégio, é um pouco a recompensa de uma vida simples e sem ambições desmedidas.
É pena nem toda a gente poder ter acesso ao bem-estar suficiente para poder ser feliz.

22-10-2010.
Sesimbra.

Silêncio










Nunca como agora o saboreei. Sinto-o à minha volta, quase o oiço. Um pássaro inoportuno mas feliz interrompe, com a sua visita habitual aos filhotes que chilreiam no ninho. Apesar disso, não impede esta introspecção desejada e consentida. Ter tempo e ambiente para ponderar melhor na situação actual do meu país. O que é feito da educação, da cultura, da saúde, do emprego, que a Constituição consagra? Porque se lê
nos olhos das pessoas  tristeza e desalento?
Tenho pena de que tudo esteja subvertido.
Chego à conclusão de que, à minha maneira, e dentro do que me foi possível, também ajudei a sair de cinquenta anos de silêncio imposto e medo contido. Não soubemos utilizar a liberdade que conquistámos, demo-la de barato, a semente não floresceu, era estéril. Deixámos que os valores básicos se perdessem, a educação, o afecto, a ternura, e a solidariedade não nos dizem nada. Apesar de a situação nos passar à porta, vivemos indiferentes a tantos e tão profundos problemas que giram diariamente à nossa volta. É bom viver longe do bulício, da intriga, da mentira e da injustiça.
Pode parecer uma atitude egoísta mas não é: é apenas uma defesa.

O sótão


Há muitos anos atrás, quase todas as histórias começavam por: «era uma vez» … 
Ao ouvirem esta pequena frase, as crianças concentravam toda a sua atenção (por vezes tão difícil de captar) no que então começava a ser descrito. Hoje, e se não for muito maçador, também eu vou começar assim a pequena história verdadeira que vou contar. Era uma vez uma criança muito desejada e querida por toda a família. Nasceu, foi recebida com alegria e a protecção era permanente, nada podia faltar nem perturbar o seu crescimento, era a terceira de dois irmãos mortos pouco depois de nascerem. A ansiedade dos pais era muita e a necessidade de a proteger impunha-se. Tudo lhe foi proporcionado para que se desenvolvesse saudável e a sua socialização se fizesse normalmente e sem redomas a separá-la da realidade. Sem preparação específica, estes pais seguiram o seu instinto que por certo foram beber nas suas origens. Gratidão imensa!!!...
Estas crianças muito protegidas ficam por vezes demasiado caprichosas, mal-educadas, egoístas e pouco sociáveis. Neste caso, não aconteceu. A menina da história viveu e conviveu num espaço amplo, rodeada de amigas e condições para viver e pôr em prática todas as fantasias, criatividade e imaginação próprias da idade – e como são férteis estes factores naquele período da vida! Para dar largas a tudo isto havia o sótão da casa dos pais que tinha todos os condimentos necessários. Desde uma arca com roupa, mesa, bancos, sapatos (rasos e de salto), e ainda alimentos a sério para confeccionar as refeições imaginárias. Aquele sótão marcou pela positiva a vida daquela criança! Mais tarde, passada a idade de brincar ao faz-de-conta, refugiava-se lá. As transformações físicas e de personalidade foram digeridas aí, as alegrias e as angústias foram também partilhadas com algumas das companheiras de sempre. Os momentos eleitos eram os dias de inverno com chuva, vento e trovoada. Que belo refúgio, e que reconfortante que era aquele sótão!!! A vida deu muitas voltas… A criança um dia fez-se mulher: por motivos inesperados e tristes, teve que crescer mais rápido do que seria desejável, teve que abrir as asas e voar. A sua vida tomou outro rumo, o seu futuro não estava ali, o seu querido sótão e tudo o que viveu passou a fazer parte do passado, e arquivado na gaveta das suas memórias: as tais memórias que se recordam com saudade e às vezes nos deixam com uma certa melancolia no olhar. Ironia do destino: muitos anos mais tarde apareceu sem procurar, outro sótão na vida daquela criança já mulher. Diferente mas igualmente aconchegante e com o som do mar em fundo. A história repete-se?
Abraço.