sábado, 29 de dezembro de 2012

Sonhar

















Sonhar é descolar da realidade.
É ir à procura de mundos que gostaríamos de ter e que muitas vezes nos estão vedados.
Sonhando demasiado alto, corremos o risco de, quando menos esperamos, nos estatelarmos no chão desamparados.
Então poderemos sofrer um traumatismo.
Não físico mas psicológico.
A desilusão pode tomar conta de nós e deixar-nos tristes, frustrados, revoltados e muitas vezes sem alento.
É bonito sonhar, mas às vezes é mau acordar.

No momento presente, não há margem para sonhos.
Seriam certamente tristes e amargos.

O ano está a terminar.
Será um ano para não esquecer.
Não esquecer os rostos dos responsáveis pelo descalabro a que chegámos.
Dos que levaram à miséria um país.
Dos que promoveram o desemprego e a fome.

Que este ano sirva, pelo menos, para retirar lições para o futuro.
Para aprendermos a viver com o indispensável.

Este ano já passou.
Vem aí outro, que irá ser recebido em festa.
Compreende-se.
É a forma de exorcizar as preocupações e mágoas.
O pior é acordar da ressaca

As ofensas à nossa dignidade de cidadãos são difíceis de perdoar!...

 Boas festas 
.
Abraço.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Leilão
















Não estão agora na moda os leilões?
Não estão a ser uma forma de combater a dívida em que Portugal está atolado?
Não se fazem leilões a torto e a direito com tudo o que é nosso e tem valor?
Com tudo aquilo que nos habituámos a ver como património do nosso país?
Pois bem, penso que será tempo de leiloar, de pôr em saldo, aqueles que até agora têm leiloado.

Tenho de confessar que cada vez que vejo na televisão essas figuras leiloeiras de sorriso ensaiado, de falas mansas a soar a falso, e com laivos de cinismo, fico meio nauseada.
São eles os dos leilões.
Aquele Pedro com a sua Laura de sorriso meio tonto.
O senhor Cavaco com a sua Maria abanadora de cabeça, qual boneco articulado.
O senhor Relvas, o negociante, todo ele reluzente.
Para fazer os cambalachos, tem que se engraxar!
Grande profissional o homem!
E o Gasparzinho?
O da voz arrastada!
E enquanto isso, vai-nos tramando a todos!

Não seria altura de fazer uma limpeza nas quinquilharias sem préstimo?

Aceitam-se licitações.
O pior é que não haverá muito quem os queira!...

Será que os chineses, colombianos, angolanos ou quejandos não estarão interessados?
Que façam propostas.

Se este método não resultar, sempre há os saldos!

Rápido, de preferência.

Abraço.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Escrever é comunicar



VISITAS




Comunicar é uma coisa de que gosto.
Encontrei esta forma de o fazer e satisfaz-me.
Sempre que me surgem ideias, em vez de as arquivar, escrevo-as.
É pena que haja assuntos demasiado delicados.
Esses, sim, tenho de guardá-los só para mim.
São aqueles que arrumo nos confins dum baú trancado a sete chaves e por lá ficarão eternamente.

Hoje, ao abrir o meu blogue, dei-me conta de que passei as sete mil visitas.
Não é que dependa disso para me sentir bem.
A verdade é que me dá um certo prazer.
Gosto de despertar algum interesse e curiosidade.
Sinto-me acompanhada e gosto.
Depois penso que sete mil visitas em dois anos num blogue destes querem dizer alguma coisa.
Venho buscar a estes resultados vontade para continuar.
Fá-lo-ei enquanto me der prazer.

Boas Festas.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

O Natal de todas as angústias


















Apesar da crise, dizem-nos as televisões que os hotéis estão cheios.
Que nas estradas correm muitos carros.
Que dentro de alguns desses carros, corre muito álcool.
Que a polícia actuou.
E que o consumismo continuou.
Depois, ouvimos também falar do outro natal.

O natal dos simples.

Dos deserdados da sorte.
Dos que esperam ou não, (?) que alguém lhes chegue aos lábios ressequidos pelo frio da noite uma sopa quente que comem sofregamente.
Outros ainda acorrem ás instituições de boa-vontade, que os fazem esquecer por momentos, a falta de meios com que se deparam diariamente.
Nessa noite, há ceia e está quente.

Sempre houve diferenças.
Mas agora são mais visíveis.

São-nos mostradas vezes sem conta.
Os nossos olhos são testemunhas e às vezes preferiam não ver.
Vemos, lado a lado, a ostentação e a fome.
Os bem apessoados e nutridos a olhar para o umbigo.
E os de expressão vazia e olhar no infinito

Em alguns casos, cada um com a sina que a troika lhes traçou.
Pobres muito pobres.
Ricos muito ricos.
Sociedade desgraçada e madrasta!

Por aqui o nosso natal foi simples.
Normal e modesto.
Baseado nos afectos, no convívio e no recato.
As filhoses estão uma delícia!
O consumismo foi zero.

Só é pena que uma nuvem sombria nos tolde o horizonte.

Nem tudo é perfeito.

Abraço.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Carta aberta ao Pai Natal

















No meu tempo de criança não se falava de Pai Natal.
O menino Jesus era quem tomava conta do imaginário infantil.
Era a ele que me dirigia quando fazia os meus pedidos.
Os tempos evoluíram e o menino ficou meio diluído.
Diluído pelo ruído provocado pelos papéis de embrulho, caixas, caixinhas e caixotes.
E pelo entusiasmo dos adultos, que muitas vezes ficam mais entusiasmados com o desenrolar das prendas do que as próprias crianças.
O imenso consumismo, egoísmo e outras coisas terminadas em ismo, sobrepuseram-se e silenciaram o menino das vestes alvas.
Hoje quem comanda é o Pai Natal.
Por esse motivo, é a ele que me dirijo.
Uma carta pequenina, mas sentida.

Querido Pai Natal,

Sei que és um homem bom.
Que costumas ouvir os pedidos que te fazem.
Também sei que neste momento estás a preparar-te para regressares ao teu país.
Deves estar cansadíssimo.
Também as tuas renas, devem precisar de um pouco de descanso.
Por isso, deixa-me dar-te uma ideia que me surgiu:
Há aqui em Portugal uns animais possantes, que podem dar-te a ti e às tuas renas, um pouco de descanso.
Encontram-se em S. Bento e em Belém.
Substitui as tuas renas por eles.
Deixa-os ficar lá pela Lapónia.
Sempre serão úteis.
Aqui só fazem é estragos.

Obrigada, Pai Natal, até para o ano.

Para todos:

Boas festas.

domingo, 23 de dezembro de 2012

Chocante















Os Homens devem estar loucos!

Não consigo esquecer os dois bebés lindos, assassinados por uma mãe que só em alta situação de loucura cometeria este acto tresloucado.
Incompreensível e horrendo.
Dois inocentes que não pediram para nascer, atirados para a morte assim com a maior frieza.
Morrendo lentamente.
Premeditadamente assassinados.
No fogo que a própria mãe ateou.

Pergunto-me como é possível dar-se um acontecimento destes, sem que ninguém se aperceba da loucura desta progenitora.
E o pai?
Tanto quanto sei, existe e trabalha.
Se as notícias estão certas, tem também a sua quota-parte de responsabilidade!
Em que vidas andaria ele metido, que não viu a companheira a descambar para o abismo? 
Entregues a ela, estavam duas crianças indefesas!
Esta mãe deve ter dado sinais de alerta!
Só podia estar no limite da descompensação!
Ao pai em primeiro lugar e à família mais próxima em segundo, também devem ser pedidas responsabilidades!
Grande distracção, desinteresse ou simplesmente ignorância!...
Responsável também é a sociedade.
O que fazemos nós para a humanizar?
Para a tornarmos mais sensível e afectuosa?

É claro que é uma atitude que não tem desculpa
Mas esta mãe não está sozinha no barco.

Dá que pensar.

Abraço.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Fora de tempo















É verdade.
Este tempo quente que aí tem estado não me agrada.
Estamos no mês de Dezembro e a temperatura chega aos dezoito graus.
Isto incomoda-me sobremaneira.
Sempre associei o Natal ao frio.
Aos agasalhos, à lareira e muitas vezes ao gelo.
Esta humidade quente reporta-me para os dois natais que passei em Cabinda. 
Onde as filhoses foram feitas com a ventoinha apontada.
E ainda assim, com o suor a escorrer pelo corpo.

Este ano, por aqui, não será preciso ventoinha, mas, com franqueza, a lareira não saberá tão bem.
O aconchego não será tão apreciado.
As filhoses não terão o sabor das filhoses do natal à séria.
Comidas à lareira com chá bem quente.
Por norma, é assim que por aqui termina a noite da consoada.
Quase ouvindo o frio lá fora.

Natal é tempo de frio e não deste calor fora de tempo.

A insensibilidade e a ganância dos Homens são os responsáveis pelo buraco do ozono, que está a provocar estas situações adversas ao planeta.

Vou ter saudades dos natais gelados.

Abraço.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Sensibilidades















Por muito difícil que seja o momento por que estamos a passar, é inevitável não sentir que o Natal está por aí.
Ao contrário dos outros anos, são poucas as casas que se encontram decoradas com motivos natalícios.
Contudo é quase impossível não sentir o cheirinho.
A mim toca-me sobremaneira a música alusiva à época.
São melodias suaves, tranquilas, que mexem comigo e me levam sempre de «viagem».
.
Em português seria: 
Noite feliz, noite feliz / Ó Senhor, Deus de amor / 
Pobrezinho nasceu em Belém / Eis na lapa Jesus, nosso bem 
Dorme em paz, ó Jesus / Dorme em paz, ó Jesus...
.
Nestas alturas, percorro a minha vida desde criança.
Visito em pensamento todos os locais onde a tradição se consumou.
Sinto de uma forma especial, ainda que à distância, os sítios, os cheiros e o calor humano que então se vivia.
Então não havia estas músicas a tocar por todo o lado.
Apenas se ouviam na igreja os cânticos religiosos que já me fascinavam.
Talvez por isso tenha dentro de mim o gosto por elas.
Sinto-as com qualquer coisa de misterioso.

Revejo-me no local onde nasci, de uma forma quase real.
Quase sinto o calor da lareira e as vozes das pessoas que me eram queridas.
Saudosismo, dirão alguns.
Não.
É apenas um sentimento forte de pertença.
São as minhas raízes a não quererem que eu me solte completamente.
Foi uma herança boa, de que não deixam que me separe.
Apesar de às vezes ser um pouco doloroso, também me trazem de volta momentos únicos.
Todas as tradições que lá vivi fizeram de mim a pessoa que sou.
Afectiva, sensível e solidária.
Até parece um auto-elogio.
Não é.
São apenas três adjectivos, que têm, desde sempre, dificultado a minha existência.

Abraço.

sábado, 15 de dezembro de 2012

Natal, Natal, Natal










Créditos 
Foto
Cláudio Sá



Será que alguém consciente terá este ano um verdadeiro espírito natalício?
Ainda haverá disposição para fazer de conta que estamos todos muito felizes?
Será que com os tostões contados no bolso, ainda dará para correr os centros comerciais
à procura de prendinhas inúteis em sacos coloridos?
Só fazendo de conta se conseguirá passar por este Natal sem alguma apreensão.
Apreensão e mágoa.
Não se pode passar por uma tradição tão forte, ignorando o estado caótico em que nos encontramos.
Há muita gente sem emprego.
Uma sopa quente não estará ao alcance de muita gente.
Não podemos, de consciência tranquila, ter a nossa mesa cheia, quando tanta gente vive numa angústia sem precedentes.

O Natal é a festa da família.
A verdade é que a família em grande maioria está triste.
Está sem esperança e com muito medo do futuro.
O Natal, por muito tradicional que seja, não traz de volta a estabilidade perdida.
Pelo contrário.
Esta época traz ainda mais nostalgia, tristeza e saudades do que perdemos.

Resta-nos o afecto e a amizade.
Será a melhor prenda que podemos oferecer.

Abraço.  

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Desespero













Nada que não fosse previsível.
Direi que está a ultrapassar o que já se fazia adivinhar.
Com a austeridade imposta, há muita gente com dificuldades económicas.
Famílias em desespero, jovens à deriva, crianças com fome!
E os direitos do Homem?
O direito à saúde, à habitação, à educação?

Crianças com fome?
Pensei que esse problema fosse só um problema do Terceiro Mundo!
Um problema que tem indignado tanta gente.
Só aí se vêem crianças desnutridas de olhos esbugalhados, de espanto e de fome!
Só aí se vêem mães sem sorriso e com uma expressão de impotência no rosto, envelhecido pelo sofrimento.

Fome no meu país, neste país que lutou para ser livre?
Nunca pus a hipótese de ver situação tão vexatória para o Homem.

Não é justo.
É até indigno, direi eu!
Ninguém tem o direito de levar um país à fome.
Muito menos as suas crianças.

Que ao menos a escola encare com dignidade e firmeza este problema e lute contra ele.
Só alguém débil e insensível pode privar de comer um ser inocente.
Depois disto, o que virá mais?
Estamos a bater no fundo!...

Abraço.   

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Disparar




Esta simples palavra, disparar, pode levar-me muito longe.
A um sítio bem distante, e a um som que tenho bem gravado.
Guardado numa gaveta da minha memória.
Essa gaveta não está, e não é por acaso, arrumada no fundo de nenhum baú escondido.
Está bem à mão.
A minha memória recorda-mo com frequência.
De repente, lá estou eu a dez mil quilómetros de distância.
Lá, em Buco Zau, Cabinda, durante a guerra colonial.
Nas colunas militares para o mato, fazia-se fogo de reconhecimento nos sítios considerados mais perigosos.
Fogo de rajada e de morteiro.
Eu ouvia em casa.
Acreditam?
Tá… tá…tá…Pum! Pum!

Disparar:

Também posso ouvi-la bem perto.
Dentro de mim.
Sempre que o meu coração se solta e insiste em bater depressa.

Disparar!...

Leis, cortes, imposições.
Essas não são rajadas sonoras.
Fazem tá…tá…tá…Pum!
Mas em silêncio, levando ao desalento.

Disparar!...

Abraço.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Os cuscos e a cusquice






















Nesta vida pouco preenchida de satisfação pessoal, profissional e intelectual, muitas vezes, para tentarmos fugir de nós mesmos, olhamos para o lado e observamos a vida de uns e de outros.
Não a conhecemos por dentro, mas opinamos.
Damos palpites.
Sempre foi e será assim.
É que, enquanto fazemos isso, não pensamos na nossa.
Não nos encaramos.
Não somos obrigados a rir da nossa falta de verdade.
Parecemos ratos que se esgueiram pelas frinchas mais estreitas!...

Ver o argueiro no olho do vizinho é muito conveniente.
Ver a tranca que temos no nosso, isso não!
É bem melhor escondermo-nos atrás da nossa conveniente e oportuna miopia.
A lavar a casaca dos outros é que somos peritos!
Enquanto isso, deixamos a nossa cheia de nódoas.
Nódoas que não queremos ver.
Que escondemos por vergonha dos outros e de nós próprios.
O apêndice chamado língua que faz parte do todo que é o nosso corpo, faz muitas vezes o pior dos papéis.
Esfregona suja e descabelada.

A falta de verdade e respeito connosco e com os outros, às vezes, é constrangedora.

Constatar este facto também.

Como diz o ditado:
- Só sabe o que vai no convento, quem lá está dentro.

É feio ser língua de trapo.

Abraço.

sábado, 8 de dezembro de 2012

Todos diferentes



Ao analisarmos algumas atitudes com que nos deparamos no dia-a-dia, chegamos à conclusão de que, embora sejamos todos iguais na concepção, somos todos diferentes na maneira de agir e de pensar.
É claro que nem poderia ser de outra maneira.
Ou então seríamos uma sociedade de gente toda muito aprumadinha.
Clones uns dos outros, caminhando em fila indiana.
Quanto a mim, na diferença é que está a piada.

Só que às vezes a natureza prega partidas.

Somos feitos de uma massa que, à partida, é muito difícil de moldar.
Não há maneira de encaixar na forma da vida.
Por muito que tente trabalhar-se, fica sempre empenada e sem conseguir adaptar-se.
Acontece isso mais com os insatisfeitos.
Com os que não se aceitam.
Com os que não gostam de si.

Estou a lembrar-me concretamente da actriz Alexandra Lencastre.
Fiquei chocada ao deparar com a sua cara, numa revista de fim-de-semana.
Mais uma plástica.
E que plástica!
Tirou-lhe a expressão.
Não é ela, é uma outra que não ela.

Pena, pena, pena.
Era uma mulher bonita.
Mas lá está.
Nunca se aceitou.

Não aceitou a idade que, sem apelo nem agravo, chega sempre.

Não entendeu que as rugas são a nossa vida.
Fazem parte do caminho que trilhámos.

Agora aí está.

No mínimo, perturbador.

Abraço.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Jasmim





Chama-se assim, o meu gato mais jovem.
Tem cinco meses.
Se a traquinice fosse música, ele seria uma orquestra.
Tira a paciência ao mais manso dos seus amigos gatos.
Mais velhos, receberam-no bem.
Fizeram dele o boneco de brincar.
Bom, mas ele abusa!
Tanto, que todos já decidiram investir na sua educação.
Está já a ser educado para que perceba que tem de ser mais comedido.
Não importunar a privacidade dos amigos é uma das regras.
Ele insiste e, de vez em quando, leva.
Apesar de tudo acho que já surtiu algum efeito.

Depois de muitas tropelias, cansado, procura um sítio fofo para descansar.
A foto que ilustra este texto mostra um desses momentos de relaxe total.
O dia chuvoso e cinzento de ontem passou-o de pernas ao alto.
Numa posição, direi, no mínimo, estranha.
Habilidade de acrobata não lhe falta!

Qual crise, qual quê?
A ele passa-lhe à distância.
Os donos que se amanhem!

Vida de gato com sorte!

Abraço.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Quando a chuva cai











Hoje está um dia daqueles de que eu gosto mesmo.
Sem alarido, pé ante pé, a chuva cai de mansinho.
Como se andasse a brincar, tem-se mostrado e fugido.
Como se fosse um jogo.
Tem espreitado e desaparecido.
De repente, como quem não quer a coisa, decidiu-se.
Cai persistente e calma.
Sem incomodar, mas caindo.
Fazendo lembrar que o Outono tem destas coisas.
Ora frio, ora sol, ora sua excelência a chuva.
Chuva e sol.
Dois agentes indispensáveis à vida.

Para quem pode, sabe bem observar a Natureza.
Como ela se defende e se protege.
Como se despe e se renova.
A chuva ajuda.
Limpa a terra dos pólenes, das bactérias dos micróbios instalados durante os meses do verão.
A chuva.
O chuveiro gigante e abrangente.  
Aquela que impregna de humidade a terra sequiosa.
É agradável vê-la através da vidraça.
A penumbra reporta-nos à noite que está próxima.
Diria que a cama da noite se estende e prepara o descanso do guerreiro.
É bom o silêncio.

Abraço. 


Dois anos

















Como o tempo corre.

Estou consigo, leitor e amigo, há dois anos.
Nunca pensei que conseguisse ir tão longe.
Nunca pensei que me entusiasmasse assim.
Nunca pensei que me fizesse tão bem.
Nunca pensei que, nestes dois anos, tanta gente se interessasse pelo que escrevo.
Apenas curiosidade?
Algum apreço?
Seja o que for.

Sei que este é um blogue sem as características habituais.
É um blogue que me serve como se de um amigo se tratasse.
Em que eu debito o que sinto.
Os meus momentos bons e menos bons.
A minha opinião sobre o que me toca mais.
O que me dá alegria ou o que me indigna.
Às vezes bem-humorada, outras nem tanto.

Apesar disso, tenho sentido que despertei alguma curiosidade.
Sei que sou lida e também que haveria quem gostasse de comentar e encetar diálogo.
Só que a intenção não foi essa logo à partida.
Foi apenas a de criar um local de partilha, um local que me servisse de ombro amigo
Invisível, mas que eu sinto e me acalenta.

Este pequeno blogue, tem sido como que uma terapia.
Uma terapia que faço com gosto e com empenho.
Irei continuar sempre que me apetecer e ache oportuno.
Este blogue não me impõe tempos, nem qualquer espécie de obrigação.
É um blogue de entretenimento e ocupação dos meus tempos livres.
É um blogue que me ajuda a manter o cérebro activo e produtivo.
O cérebro.
Todos sabemos que é preciso ocupá-lo para que não fique preguiçoso.
Depois, tudo o que não é utilizado, um dia torna-se lixo.

Vou tentar não o ser enquanto puder.

Um abraço.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Imaginário


















Desde sempre, ouvimos dos nossos pais estórias dum mundo imaginário e fantástico.
Lembro-me que me deliciava com elas e pedia sempre mais.
Ainda hoje as guardo e algumas já foram passadas a outros, que igualmente as saborearam.
Vem isto a propósito do Natal, que se vai aproximando devagar.
Também porque era no inverno que o tempo era mais propício ao recolhimento e às reuniões de família.
À lareira, essas estórias tinham ainda um sabor mais intenso.
Com o aproximar da época festiva do Natal, a estória do Menino Jesus era contada de uma forma respeitosa e empolgante.
A fuga de seus pais para o protegerem da ordem do rei Herodes, o «mau», levou a que nascesse numa cabana que acolhia um burro e uma vaca.
Que, num gesto solidário, o aqueceram com o seu bafo quente, naquela noite gélida 
de Dezembro.
A manjedoura terá sido a sua primeira cama.

Aquele cenário de pobreza e despojamento era impressionante para uma criança digerir.
Toda aquela época era vivida num mundo imaginário de criatividade infantil.
Diria até que se prolongou por largos anos este delírio saudável que alimentou as nossas fantasias juvenis.

Qual não foi o meu espanto, quando há bem poucos dias, o Papa actual veio lesto desfazer esta fantasia.

«O presépio não teve vaca nem burro», disse.

Este Papa, altamente culto e intelectual, não precisava de privar deste sonho bonito tanta gente miúda e até graúda!
O que é que ganhou com isso?

Pelo menos devia ser-nos reservado o direito à fantasia e ao sonho!

Abraço.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

É bela

















É bela e quente.
Aquece o ambiente e o coração.
Sedutora, a sua chama forte prende o olhar.
Que fascinado, a segue até os olhos doerem…
É bom sentir este calor ambiente, que nos penetra o interior.
Que apazigua o espírito e nos traz calma.
Que nos leva a um mundo imaginário onde tudo é paz.
Lá fora, o frio convida ao aconchego.
O sol espreita, misturado com bátegas de chuva, de quando em vez forte.
As vidraças inundam-se de gotas irrequietas.
Irreverentes, não param.

O corpo cede ao calor.
Arquiva-o e saboreia-o.
Amolece.

É bela e quente.

Vermelha como o tom do sangue que nos corre cá dentro.
Quente como os corações sensíveis.

É a chama quente.
A companheira que nos mima e nos protege do frio lá fora.

Abraço.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Tanta coisa













Tanta coisa para escrever!
Mas…
Nem tudo é tão linear assim.
Nem tudo pode saltar para o ecrã do computador.
Existem os princípios, o bom senso, a educação.
Há coisas que ficam melhor arquivadas.

O silêncio é de ouro.

Calar as fitas negras da vida.
O que indignou.
O que tirou o sono.
O que marcou.
Marcou por dentro, bem no centro da nossa sensibilidade.
O mais correcto é esquecer?
Recordar os bons momentos.

Tanta coisa.

Tantos nós.
Apertados e grandes.

Tanta coisa.

E o silêncio é de ouro!...
   
Abraço.

domingo, 25 de novembro de 2012

As meninas gotinhas de água

















A propósito desta chuva que cai copiosamente, lembrei-me de uma estória doce e cheia de pedagogia, que tantas vezes contei às crianças que me foram confiadas.
Tal como na estória, também as minhas gotinhas vieram ajudar.

Durante muito tempo, as meninas gotinhas de água mantiveram-se calmas lá nas profundezas do mar.
Lá em baixo estava-se bem e assim descansaram mais um pouco.
O ruído, cá em cima, não condizia com elas.
Acontece que passado um bom tempo, sentiram que era o momento de espreitar a superfície.
Pareceu-lhes que, para lá do ruído do mar que se agitou de repente, o sol se fechou.
A gotinha mais dinâmica reparou que as nuvens estavam carregadas.
De repente, sem saber como, viu-se poisada numa, a sobrevoar o mar e os campos.
A gotinha de água achou tudo muito seco e triste.

Os campos rachados com tanta secura, as plantas vergadas com sede, os rios não corriam, as barragens estavam semi-vazias e os Homens andavam cabisbaixos e sem sorriso.
A vida sem água não era possível.
Assim, pensando depressa, a menina gotinha de água chamou as suas irmãs.
Deram as mãos e foram em socorro de todos.
Deixaram-se escorregar pelas folhas, pelos caminhos, pelos campos.
Encheram rios, poços e barragens.
A terra ficou prenhe de água e quem precisava dela sorriu de felicidade.
As flores abriam as pétalas em forma de agradecimento.
As árvores tornaram-se mais verdes e deram frutos saborosos.
Os passarinhos cantavam, aninhados nos galhos.
As searas engrossaram e o grão transformou-se em pão.
As ervas, alimento dos animais, cresciam e prometiam fartura.
A terra, hidratada pela chuva, não se cansava de produzir.

As meninas gotinhas de água olharam lá de cima e viram nos rostos dos Homens um sorriso gigante que as encheu de alegria.
O sol… mostrou-se resplandecente!

Agora sim, pensaram. 
Tudo era vida.

Podiam recolher-se outra vez.

Abraço.

sábado, 24 de novembro de 2012

Tornar útil o tempo














Depois de tantos anos debaixo de controlo, a cumprir horários e a responder com empenho à tarefa de educar, fiquei livre.
Logo de seguida, dei asas à minha liberdade de acção.
Comecei pelo que mais me agradou.
Saí, observei, saboreei e partilhei o que mais me tocou.
Pus à prova a minha sensibilidade.
Mostrei-me sem artefactos tal e qual sou.
Tenho-me sentido preenchida.
Deixei que a minha imaginação e criatividade fluíssem e falassem por si.
Assim, apenas eu, sem maquilhagem.

Tenho gostado desta ocupação do meu tempo.
Ainda mais porque gosto de partilhar.
Acontece que, de há um tempo para cá, apeteceu-me diversificar.
Pegar também em alguns trabalhos a nível manual.
Digamos: voltar a pegar em coisas que, em tempos idos, gostei de fazer.
Não dizem que a História se repete?

Pus mãos à obra e entusiasmei-me.
Afinal é como andar de bicicleta: dizem que nunca se esquece.
Bom, uma ideia aqui, outra ali, o resto é da minha lavra.
Apenas alguma criatividade.
Gosto de ver o produto final.
Dá-me gozo usar coisas completamente exclusivas.

Que saíram de mim e do meu gosto.

É bom criar.
É relaxante e preenche-nos o ego!

Abraço.

Nota
Os trabalhos das fotos foram feitos sobre peças de linho. Uma delas, a das alças, é linho «original» e terá bem mais de cem anos. 

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

O prego caibral
















A crónica de hoje surgiu depois dum passeio ao passado.
Nesta tarde fria, decidi não sair do meu aconchego.
Enquanto me ocupava com outras tarefas, viajei.
Aliás, como tantas vezes me acontece.
Gosto destas viagens.
Sobretudo quando me trazem recordações que me fizeram tão feliz.

A minha avó materna, aos oitenta e tal anos, ficou confusa.
Trocava-se toda.
O seu cérebro deteriorou-se.
Nos dias de hoje, talvez se pudesse dizer que a minha avó tinha Alzheimer ou coisa parecida.
Eu, adolescente, gostava de estar com ela, por isso, estava sempre muito presente.
Gostava de a ouvir e brincar com ela.
Sei que, apesar de não me identificar como neta, gostava muito de mim.
Logo que eu chegava, começava a conversar e dizia as coisas mais desconexas que se possa imaginar.
   
Contava-me muitas histórias imaginárias sobre a sua própria vida.

Um dia perguntou-me quem era eu.
- Sou sua neta – respondi.
Muito ofendida, disse logo.
- Eu nunca me casei! Não é que não tivesse quem me quisesse!... Mas eu nunca fui nessa! Quando morrer, ainda levo o raminho da palma!!!

Queria ela dizer que ainda era virgem!
Levava a mal quando eu, de riso fácil, me largava a rir.
A minha avó foi sempre uma pessoa recatada, mas depois, com a doença, transformou-se. Metia-se com quem passava e dizia as coisas mais inesperadas.
Dizia por exemplo, quando uma mulher com a higiene menos bem feita aos sovacos passava por perto:
- Olha aquela! Leva ali o ninho da carriça!...
Às vezes deixava-nos embaraçados.

Se eu aparecesse de saltos altos e finos, dizia me:
- Ó menina, como é que consegue andar assim, em cima desse prego caibral?

Era querida a minha avó Maria Isabel.
Chamava-me simplesmente «menina», tratava-me por «vossemecê» e queria-me bem junto dela.

Falava, falava, falava.
Dissertava sobre o que, na hora, lhe passava pela cabeça. 
Pura ficção.
Bons tempos eu passei com ela!

Abraço.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Quando o olhar entristece















É agradável quando olhamos alguém, e deparamos com um olhar luminoso.
Um olhar que fala por si.
Com brilho, límpido.
Um olhar que traz ao rosto uma luz que irradia bem-estar.
Que sorri sem sorrir.
Que dá ao rosto um brilho radiante.
Que apetece admirar e até às vezes invejar.
No bom sentido, claro.

Isto acontece quando se está bem na vida.
Quando se está feliz.
Feliz e preenchido.
Sem nada que ensombre o espírito.
Para muita gente seria preciso pouco.
Bastar-lhes-ia estabilidade e o suficiente para o dia a dia.

No momento presente, dificilmente se consegue uma visão destas.
Existe, sim, desânimo.
Falta de esperança e um futuro interrogado.
Numa situação assim, o olhar deixa de brilhar.
Em vez de luminoso, o olhar fica triste e baço.
Como o de quem navega no escuro e não conhece o amanhã.

Quando será que os olhares voltarão a brilhar?

Abraço.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

A aposta na educação






















Desde sempre e às vezes ainda hoje, a falta de educação, formação intelectual e preparação dos cidadãos foi e é, razão para que por vezes ainda haja cidadãos
pouco preparados e a agir de forma menos própria.
Sem bases, a grande maioria foi e é criada mais ou menos ao sabor do instinto.
Muitas vezes, também, das necessidades e das possibilidades familiares.
A educação e a cultura, elas mesmas, raramente estiveram /estão presentes nas preocupações dos responsáveis.
Por falta de conhecimento, por ignorância ou porque ainda se considera mais importante que o cidadão arranje um bom modo de vida, pois o dinheiro continua a ser o que move tudo.
Normalmente fixados nesse objectivo, somos encaminhados para o Mundo sem nos passar pela cabeça que há algo mais!
E igualmente ou mais importante.
Daí resultou uma sociedade pouco esclarecida e sem necessidade de se cultivar, de adquirir conhecimento.
Pouco preparados, vamos deitando filhos ao mundo, mais para continuar a descendência, e sem a preocupação da qualidade.
No momento em que vivemos, algumas mudanças já se operaram para melhor.
Praticamente todos estudam.
Só que esses estudos são de fraca exigência.
É só exigido passar.
O conhecimento a nível global ainda é de somenos importância.

As lacunas são enormes e lá continuamos nós em certos aspectos, muito parecidos
com o meio.  

Raramente a formação e a educação propriamente ditas estão nos horizontes.
Daí a falta de noção e de bom senso para discernirmos ainda hoje qual a melhor forma de actuar em certas situações mais sensíveis.
Qual o melhor caminho?
Depois de pensar neste assunto, só pude concluir que faltaram/faltam, as bases.
Faltou a transmissão por via umbilical.
Não há nada, ou haverá muito pouco.
Por isso mesmo, ainda hoje se age a maior parte das vezes apenas por instinto.

Só assim se percebe, o porquê de atitudes que deixam de queixo caído os mais incautos.  

Ainda hoje o problema da educação e da formação intelectual está actualíssimo.

Seria desejável que passasse a prioritário.

Abraço.

sábado, 17 de novembro de 2012

O meu momento














São neste momento dezassete e trinta e cinco.
A noite aproxima-se a passos largos.
Lá fora há uma semi-obscuridade que me convida a fazer uma pausa.
Neste fim de dia cinzento-escuro de Novembro, aqui no meu espaço ainda não se nota a presença do Outono.
As duas buganvílias, uma de cor amarela e a outra de cor vermelha, dão as «mãos».
Unidas pelo toque, parecem apelar às gentes que se unam também.

Tudo aqui ainda é verde e colorido.
Cá dentro a lareira crepita e dá à sala um ambiente morno, tranquilo e sereno.
E a noite chegou.
O céu fechou-se fortemente.
As nuvens pesadas anunciam chuva.
Eu, aqui no meu canto, faço só meus os momentos em que escrevo.
Como já reparou, nada de novo, apenas o trivial do dia a dia.
Também são necessários momentos banais.
Só nós e a nossa privacidade.
Quanto a mim, também ela necessária para o nosso equilíbrio.

Parar um pouco.
Não pensar em nada que incomode.
Dizer ou fazer apenas o que apetece no momento.

Apetece-me também agora, desejar-lhe um bom resto de fim-de-semana.
Tente não pensar na crise por alguns momentos.
Faça apenas aquilo de que gostar.

Abraço.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Ver por dentro













Normalmente, quando olhamos para alguém, a tentação é fixarmo-nos no seu aspecto físico.
A partir daí, muitas vezes tiramos ilações erradamente.
Esquecemo-nos de que o aspecto físico é apenas um invólucro.
Um invólucro que às vezes não corresponde ao que parece.
Que nos passa uma mensagem que pode levar ao engano.
A tirarmos conclusões que não correspondem à verdade.

Uma avaliação apressada pode levar-nos a cometer erros.  
Julgar alguém merece cuidado e bom senso.
Um juízo de valor incorrecto, pode comprometer o futuro.
A análise deve ser feita à partida com tempo e alguma ponderação.

O que existe para lá do invólucro, o que não se vê logo à partida, é bem mais importante.
Os sentimentos, o carácter, o bom senso, a honestidade são valores demasiado valiosos para serem ignorados.
É debaixo do invólucro que estão.
E não se detectam logo nos primeiros contactos.
Só com o tempo vêm ao de cima.
O invólucro pode ser um enigma.

É só dar tempo e ir observando.

Abraço.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

A crise e os humores





Nestes tempos de instabilidade, só com esforço se consegue encarar a vida com alguma leveza, e sorrir.
As dificuldades, as incertezas e a interrogação quanto ao futuro, tiraram de vez a vontade de brincar, à maioria dos portugueses.
A vida está sombria.
Embora o tempo esteja cheio de luz lá fora.

Nem o «labioso» do senhor Passos, a anafada da senhora Merkel, ou o rapidinho do senhor Relvas, devolvem o sorriso aos portugueses!
Tantas tropelias, tantos arranques falsos, ora para a frente, ora para trás, e só conseguem arrancar ou um sorriso amarelo ou uma catalinada de impropérios menos próprios.
Nem nos dão tempo para nos refazermos das surpresas! 

Não fora a seriedade da coisa, até daria para sorrir, quando a senhora Merkel disse com ar de pessoa a quem agradou o que viu, que, quando já não for chanceler, vem até cá passar férias!
Deve ter gostado das vistas que o senhor Coelho lhe mostrou no Forte de São Julião!
Que belo momento da visita!
Que regalo para os olhos pequeninos mas matreiros da senhora!

Provavelmente, nessa altura também será recebida pelo amigo que, com o pecúlio conseguido, já terá uma bruta mansão para a acolher a ela e aos seus – quem sabe!...

Vai um sorrizinho?

Que lhes faça bom proveito.

Abraço.

domingo, 11 de novembro de 2012

O cavalo e o homem


















Quando eu era criança, passava à minha porta um homem grande.
Passava montado num cavalo grande e para mim muito alto.
O homem, de chapéu de três bicos, intimidava a criança que eu era.
Ao vê-lo cá de baixo, parecia-me uma figura poderosa.
Algo de misterioso passava pela minha imaginação.
Tinha medo daquela figura.
Vista cá de baixo, parecia-me demasiado imponente e vinda de um outro sítio qualquer, que não do meu mundinho de menina.
Logo que, ainda lá longe, ouvia o trotar do cavalo, ficava em alerta.
Em alerta mas curiosa.
Meio dentro, meio fora da minha porta, via-o passar e olhava-o.
Ele, que já devia ter percebido o efeito que fazia em mim, olhava-me com um meio sorriso, que ainda o tornava mais enigmático.
Tinha medo daquele homem.
Saía do padrão normal dos homens da minha terra.
A minha ingenuidade de criança transportava-me para um mundo de gigantes, onde o perigo espreitava a cada canto.
Custou-me a habituar àquele trote de cavalo e àquele homem grande!...
Só mais tarde, já adolescente, interiorizei que aquela figura, para mim misteriosa, era apenas um lavrador abastado da minha própria terra.
O cavalo conduzia-o apenas às suas propriedades.

Ainda que desfeito o enigma, ainda hoje me impressiono, quando penso na figura grande, majestosa e imponente, daquele homem grande.

O que a imaginação de uma criança pode!... 

Abraço.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

O português e as calinadas


 



Toda a minha vida levei na cabeça quando, ao expressar-me, o meu português não saía escorreito.
Foi uma luta de anos.
Valeu a pena.
Hoje sinto-me orgulhosa por nunca me ter rebelado.
Aceitei sempre com agrado as correcções e tirei o melhor proveito.
Talvez por isso esteja sempre muito atenta à forma como cada um se expressa.
Principalmente, quando se trata de alguma figura com visibilidade pública.
Ou de algum docente com obrigações de ensinar com correcção.

Infelizmente é frequente por aí.
Pessoas com responsabilidades deixarem de rastos a língua de Camões.
Ainda nunca percebi se o fazem porque acham que é uma questão de somenos importância, ou se é mesmo porque não dominam a gramática.
Falha da Escola?
Desinteresse?
É pena.
O português bem «dito» é uma língua bonita.
Difícil, mas muito bonita.
Dizê-lo bem é um prazer e um desafio.

Eu gosto muito.

Abraço.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Extractos de uma vida






















Uma pessoa que, como eu, viveu trinta e tal anos rodeada de crianças, tem sempre um sem número de estórias engraçadas para contar.
Tenho muitas.
Só por comodismo não vou ao «sótão» buscá-las e descrevê-las.
Hoje lembrei-me de uma que me vem à memória muitas vezes, pela força que teve.

Carlos era o nome da criança.

No seio familiar chamavam-lhe Càquinha.
Era de cor preta.
Três anos grandes.
Antes de entrar para o infantário, a sua vida – se é que se pode chamar vida àquilo – era passada na rua, num bairro degradado da Damaia.
No inverno, semi-nu, brincava na lama, que dava até meio da pernita magra.
A completar o cenário um permanente ranho grosso sempre a correr.
No verão a lama era substituída por um sol tórrido.
Pele ressequida e sempre com feridas.
Tinha um olhar perdido.
E muitos gestos de revolta.
Ao entrar no infantário foi um choque.
Não estava habituado a regras.
Nem sociais nem de higiene nem nada.

Calhou-me em sorte.
Foi um osso muito duro de roer.
Já estava habituada a outros casos igualmente difíceis.
Encarei o facto com um desafio difícil, mas que teve resultados compensadores.
Pus-me à prova.
Peguei nele com vontade e muita paciência.
Penso que me posso orgulhar de lhe ter sido útil.
Continuava quase sem roupa, ainda que o frio gelasse.
No primeiro inverno que se seguiu à sua entrada, não aguentei vê-lo assim e decidi arranjar-lhe algumas roupas.
Aceitou-as com relutância.
A sua pele não estava habituada.
A pior reacção foi quando tentei vestir-lhe a camisola de lã grossa, que fiz de propósito para ele!
Com fio duplo.

Logo que lha enfiei, a gritaria pôs o infantário em alerta geral.
«Mejola não, Duche. Mejola não!...»
(Camisola não, Dulce!...).

Com muita pena minha, não insisti.
Entendi-o.
Estava habituado a andar solto e aquela coisa grossa prendia-o.
Tirava-lhe a liberdade a que estava habituado.
Foi um episódio marcante, mas revelador.
Já bastavam as regras a que foi submetido.

Fiquei com a camisola na mão meio desconsolada.
Foi usada por um filho de uma colega minha.

Este caso ficou para a história do infantário.

Deixou-me a pensar.
A partir desse dia, dei ainda mais atenção ao «Càquinha».
Foi um trabalho árduo, mas valeu bem a pena. 

Abraço.