quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Mais uma relíquia
























Há objectos e coisas que nos mantêm ligados ao passado e às pessoas para sempre.
Por exemplo, a casa da minha avó materna e a chave da sua porta!
Era uma casa grande e, segundo a inscrição esculpida na parede, é de mil setecentos e sessenta e sete.
Era uma casa de lavradores, que para a época se podiam classificar como abastados.
Uma casa ampla, onde foram criados os sete filhos da minha avó (apesar de ela dizer quando já demente, que não tinha filhos e que quando morresse ainda levava o «raminho da palma»! Coisa que provocava risos inofensivos em todos!).
Era uma casa de trabalho, mas também de convívios e muitos, muitos afectos.
Numa das varandas, a que dava para as traseiras e virada a Sul, era normal, nos degraus já meio esconsos e gastos pelo tempo e pelo uso, nós, os netos, fazermos deles o sofá mais confortável e deixarmos acontecer grandes e saudáveis convívios, e troca de saberes.
Era lá que se liam às escondidas (pelo menos eu por ser ainda muito jovem e em casa o regime ser apertado),livros que então eram proibidos, como o Crime do Padre Amaro, O Primo Basílio. Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós, Dostoievski etc...
Era um dos sítios onde se partilhavam cumplicidades.
Tinha uma vista privilegiada, era rodeada de campo e serras e um sol que a envolvia até se esconder!
Tinha em frente e quase a tocar-lhe tal era a proximidade, a Torre da Igreja.
O sino, dolente mas forte, batia as horas anunciando a todos que era tempo para executar esta ou aquela tarefa, única forma de situar as pessoas no tempo.
A casa da minha avó tinha uma porta grande e forte, por isso mesmo precisava igualmente de uma chave grande, forte e pesada.   
Aquela porta, que se abriu e fechou durante três ou quatro gerações, acusou o desgaste e teve de ser substituída.
A chave, essa peça de museu, que me foi confiada muitas vezes e que eu admirava, iria certamente ser atirada para o esquecimento, qual objecto sem préstimo.
Custou-me imaginar uma relíquia ser abandonada e pedi para ficar com ela.
Tenho-a  comigo há muitos anos!
Esta chave, sem valor material,tem para mim um grande valor afectivo.
É um elo forte que me liga ao meu passado e me leva a fazer voos rasantes e apaziguadores, da saudade que às vezes se instala!  Não me abrirá mais a porta da minha avó, mas abre-me de certeza a porta das minhas memórias e dos meus afectos.

Abraço.

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