segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Recordando






























Enquanto jovem, foram muitas as vezes que pessoas da aldeia (lá dizemos: o povo, para dizer aldeia) me pediram para escrever cartas a familiares ausentes e não só. O analfabetismo era quase geral, daí esta necessidade das pessoas.
Achava sempre piada, porque muitas vezes nem sabiam o que dizer e punham-me a mim a ter que inventar assunto!
Outras ditavam a preceito o que lhes ia na alma! Vou tentar pôr em pé, mais ou menos, o que, durante anos, ouvi a algumas delas. Por exemplo:

«Meu querido filho!
Espero que ao fazer desta te encontres bem. Nós, graças a Deus, cá vamos indo como Nosso Senhor  quer.
Por cá a vida é de muito trabalho, teu pai anda à jeira para a tia Adelaide do Germano e chega à noite que nem se pode mexer dos ossos, todos moidinhos de trabalho.
A nossa Maria, coitada, também se farta de trabalhar. Ainda ontem apanhou sòzinha as batatas do chão do lameiro e ficou com umas dores nas cruzes, que nem se endireita.
Eu, cá ando também com os meus achaques! Deu-me uma trambusena um dia destes que se me destimperaram os intestinos que ia deitando os bofes pela boca!
Tenho andado a caldo de arroz com cebola e uns panelos de chá de S. Roberto!
O tempo por cá anda reles.O  vento  seca tudo e deixa-nos depenados!
Então e tu? Já arranjaste aí alguma matrafona? Vê lá filho, não te percas com alguma limbelha qualquer de beiços pintados e roupa à pipi!
Olha que elas enganam com as suas palavras caras de sete e quinhentos, não valem nada e mal se entende o que dizem.
 Nós temos cá muito boas raparigas e de boas famílias, pelo menos essas são sérias e entendem-se connosco e com as nossas vidas cá do campo.
A rapariga do ti Zé da Henriqueta, está uma rapariga toda jeitosa, se te chegares a ela, acho que estará a repulir, olha que é mesmo um respigo!...
Vou terminar esta, porque já vai grande e tu deves ter mais que fazer.
Fico à espra de receber a resposta a esta carta, na volta do correio e que me contes como vai a tua vida.
Passo o tempo a pensar que ainda te perdes por essa cidade do dianho, onde ninguém dá ao menos a salvação a ningém!
Olha, só mais esta. A filha do ti Manel da Amélia teve uma menina.
E a mãe do Jaquim da Mata morreu um dia destes, coitada , também já estava muito velha e coxa.
Recebe um abraço do teu pai mãe e  irmã, que estão mortos para te voltar a ver.
Até à volta do correio, desta que s’ assina

Tua mãe».

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