domingo, 16 de janeiro de 2011

Angola, ainda a propósito de liberdade















Fui uma daquelas que pagaram com juros parte da factura da guerra em Angola.
Casada há pouco tempo, vi o marido ser arrancado (arrancado é mesmo o termo) ao curso de direito na Faculdade em Lisboa.
Depois de cumprir três meses de recruta em Mafra, mais uma caterva deles em Lamego nos Rangers, recebi a notícia mais temida.
Destacado para Angola.
Partida a oito de Agosto de mil novecentos e setenta e dois.
Apesar de ser mais que provável, a notícia caiu que nem bomba.
E agora?
A pergunta ficou no ar, alucinando o pensamento dos dois.
A resposta foi imediata.
Vamos os dois, se a ele era imposto aquele sacrifício de loucos, dois teríamos mais força para o enfrentar.
Ainda que para isso tivesse que deixar em lágrimas a mãe viúva há pouco tempo, o que me doeu muito fundo.
Passados três meses após a dolorosa, quase desumana partida dele, lá vou eu cheia de coragem e saudades imensas!
Não fazia ideia do que ia encontrar. Só sabia que havia muito calor. Fui preparada para isso.
Logo ao desembarcar em Luanda, depois de nove horas de viagem no Jumbo setecentos e sete da TAP, tive o primeiro impacto: fui recebida por uma lufada de ar quente carregado de humidade, que me deixou ensopada de suor, que nunca mais me largaria.
Depois de matar as saudades… «e agora o que se segue»?
Mais hora e meia em avião «regional» até Cabinda.
Nesta cidade havia de ter de ficar um mês – a cento e vinte quilómetros do quartel do marido, porque a casa que foi feita de propósito para ficar com ele dois anos ainda não estava pronta.
Que desilusão logo para começar!
Foi um longo e entediante mês, aquele.
Estava rodeada de mordomias mas não tinha o que mais desejava, havia dias desesperantes.
Finalmente o dia mais desejado. A expectativa era grande.
A casa onde iria morar por dois anos, tinha os mínimos, foi com entusiasmo que a preparei para, durante dois anos, vivermos o mais confortavelmente possível.
Cada dia que passava era motivo de espanto. O que via enternecia-me, entristecia-me e revoltava-me.
Aquele povo estava mesmo dominado e humilhado, com fome e submisso.
As barrigas das crianças, que andavam com os olhos grandes no infinito, cheios de fome, marcaram-me para sempre.
Só quem vivia em festas permanentes no quartel é que se sentiria feliz e sem obrigações para com aquelas pessoas. Sentimos a necessidade de tomar conhecimento, de fazer alguma coisa, e penso que fizemos, demos um pequeno contributo.
Aquele batalhão, que conheci de muito perto, deixou a sua marca, fez a diferença.
Só por isso valeu o pesado sacrifício.
Até os bombardeamentos ao quartel, os ataques às colunas militares, embora com esforço, se vão esquecendo. Mas muito penosa e lentamente.
Angola: mais de dez anos de guerra sem honra nem glória.
Depois do 25 de Abril, voltámos em liberdade.
Abraço.    

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