quarta-feira, 5 de março de 2014

Os seus olhos…




Cabinda, setenta e dois / setenta e quatro.

Ainda guardo, nos meus olhos, os olhos grandes deles.
Eram escuros de breu.
Sobressaíam reluzentes, dos rostos magros.
Surgiam de duas covas e mostravam-se tristes, enigmáticos.
 Amarelecidos pela fome, penso.
Ao olhar aquelas figuras de crianças magras, barrigas enormes, umbigos salientes em forma de pêra, não podia deixar de pensar: «Isto é o resultado das carências alimentares e de saúde a que foram, e são ainda, sujeitos».
Quando procuravam proximidade com os residentes daquele bairro (militares de carreira e milicianos com família), faziam-no a medo. Usavam de uma subserviência que me fazia sentir mal e parar para pensar.
Tinham bananas para vender. Trocavam-nas por uma insignificância. O que eles queriam, sem pedir, era mesmo alimentos.
Não raras vezes, eram recebidos com agressividade por alguns e até corridos com cães de donos sem vergonha.
 Esses, governavam-se à custa da guerra no país que não era o seu, mas sim deles: daqueles miúdos.
Quase sempre eram crianças em idade escolar.
A escola preparatória local recebia-os e tentava abrir-lhes horizontes.
Andrajosos, quase nus, angariavam o que podiam.
Os pais de muitos deles encontravam-se no mato, em zonas de combate.
Crianças filhas da guerra e de homens que nunca foram meninos!...

Como é possível apagar estas imagens violentas, da memória?
Fica aqui, para que conste.


Abraço.

3 comentários:

  1. Não foi por acaso, o timing deste excelente poste. Eu entendo.
    Gostava de comentar algumas afirmações aqui produzidas, não porque estejam incorrectas, mas sim porque têm um significado imenso, até pela dupla interpretação, só entendível por quem viveu esta guerra. Sei que a autora viveu este drama, mas não sei até que ponto, afirmações brilhantes,que aqui foram feitas e se prestam às tais duplas interpretações, são resultado dessa vivência ou um feliz acaso.
    Parabéns e obrigado.
    António

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. É verdade, cara amiga. Depois do Inverno, temos a Primavera à porta. O problema é que por vezes ela não passa da soleira. Então ficamos ininterruptamente a viver entre o Outono e o Inverno. Obrigado pelo contacto. Abraço.

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