quinta-feira, 30 de junho de 2011

Noite de medo












A minha mãe era uma mulher bondosa, paciente e carinhosa.
Tinha comigo uma relação forte e de grande ternura.
À noite, sobretudo no inverno, ela «prendia-me» com as histórias que me contava.
Ela conhecia a sua filha e a atenção que lhe mereciam as estórias.
Algumas romanceadas, outras reais.
É o caso desta que vou contar.
Numa noite escura e fria de inverno rigoroso e agreste, a minha mãe recém-casada, com o meu pai a seu lado ao serão, são surpreendidos por um som que quebra o silêncio que cobria a pequena aldeia.
Um som de gritos de grande aflição.
Meu pai, homem destemido, saiu à rua para tentar perceber o que se passava.
Apercebeu-se de que, ainda muito afastado da aldeia, um homem pedia ajuda.
Decidiu ir ao encontro dele.
Minha mãe terá ficado em casa, preocupada e com medo do desconhecido!...
No fim de algum tempo, ainda bastante pelo que ouvi, o meu pai regressa satisfeito por ter sido útil.

Resumindo:
O homem que gritava por socorro era um sapateiro da aldeia de nome Álvaro Abreu.
Regressava de um mercado, onde fora vender o seu próprio produto.
Montado numa mula e com a mercadoria num alforge (tempos do demo), era «escoltado» há imenso tempo, por um casal de lobos esfomeados que precisavam de refeição.
Em pânico, ia-se defendendo com um pau que costumava trazer sempre consigo.
Valeu-lhe a lanterna de petróleo que meu pai levou com ele, já que a sua luz afugentou os dois potenciais inimigos.
O homem, ao sentir que alguém se aproximava, acho que respirou de alívio.
A luz da lanterna assustou os bichos que fugiram campo dentro.
A vítima, por acaso amigo de meu pai, acho que lhe ficou eternamente grato.
O pânico foi grande.
Dois lobos esfomeados podem realmente ser perigosos e atacar um ser humano, ainda por cima no silêncio da noite.
Aqui está uma estória de solidariedade e de coragem.
Sempre vi no meu pai o meu herói, mas a partir daí passei a olhá-lo ainda com mais admiração.
Era assim que em minha casa se convivia.
Foi assim que eu aprendi a gostar de ouvir os mais velhos.
As suas estórias enriqueceram-me muito.
São recordações que fazem parte da minha história de vida.
Onde estiverem, obrigada pela ternura e paciência.

Abraço.

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