terça-feira, 12 de julho de 2011

Histórias de menina











Com dezasseis anos ainda se é uma menina.
Foi com essa idade que eu fiquei sem o meu pai.
A minha mãe com quarenta e seis e eu – de repente entregues a nós mesmas.
Era Fevereiro.
Chuvoso.
Frio.
E para nós desolador.
«E agora»?
As duas sem perspectiva.
Para lá da tristeza e da solidão, existia um sentimento de impotência, que pairava sobre as nossas vidas.
Foram tempos muito complexos, que nos marcaram às duas e ao mesmo tempo nos uniram mais que nunca.
Naquelas noites frias, sentadas em frente da lareira, já não havia as tais histórias fantásticas, de João Brandão e outras.
A maior parte do tempo havia olhos húmidos, silêncio e, confesso, um certo sentimento de medo.
Dos mortos?
Não, da solidão forçada. 
Do silêncio da noite.
Do desamparo que ela significava.
As duas, fragilizadas e sem amparo.
A ligação entre os três era forte.
A casa  parecia-nos demasiado grande e vazia.
No silêncio meio cortante, houve um ruído que nos visitava todas as noites e
nos assustou.
A minha mãe dizia que se calhar era uma cobra que se refugiou no sótão, por cima da lareira quente.
Durante o serão, o ruído repetia-se de minutos em minutos.
Sempre, sem excepção.
Era como o som que uma pessoa faz para um burro por exemplo, andar.
Tre…tre…tre…tre…tre…
Um ruído de má memória, que vai ficar para sempre nos meus ouvidos…
Era assustador.
A única defesa era manter sempre fechadas as portinholas de acesso ao sótão.

Demorou algum tempo para assumir esta nova realidade.
Creio que a minha mãe nunca a assumiu completamente.
Quem passa por experiências destas, dá mais valor à estabilidade e ao afecto.
Sorte a de quem nunca passou por estas experiências, que deixam grandes vazios e marcas para sempre.  

Abraço.

Sem comentários:

Enviar um comentário