quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

A família cigana














De tempos a tempos, no deambular pelos caminhos da vida, parava na minha terra uma família cigana.
Instalavam-se num olival mesmo por detrás da minha casa.
Ao longo de anos, tive a oportunidade de observar as rotinas (o meu terraço dava para o olival) daquelas vidas errantes.
Fascinava-me aquele modo de vida que estava tão longe do que estava habituada.
Passava horas a observar e a absorver, aquela forma de viver tão diferente.
O que mais me chocava, era vê-los no inverno a dormir ao relento, às vezes com um frio de gelar.
À noite, depois de comerem o caldo feito ao lume numa panela impecavelmente esfregada e com os ingredientes que conseguiam recolher junto da população,
acendiam enormes lumes, sentavam-se à volta e cantavam.
Cantigas em tom cigano que me encantavam.
Aquele tom melancólico e sofrido metia-se comigo.
Muitas vezes eu, na minha casa quente, imaginava como seria dura aquela vida que eu considerava instável.
Era demasiado jovem nessa altura.
Esta família cigana era «comandada» por um patriarca de nome Mário.
Mário cigano: era assim que era conhecido.
Tinha uma prole imensa.
Uns atrás dos outros.
Entre eles duas raparigas.
A Laurinda e a Preta.
Andavam mais ou menos por volta da minha idade.
Travámos conhecimento.
Fizemo-nos mulheres ao mesmo tempo.
Herdavam a minha roupa e tudo o que lhes pudesse dar.
A Preta casou.
Muito cedo, como ainda hoje é tradição.
O marido foi para França.
A Preta não sabia ler nem escrever.
As saudades do seu homem eram muitas.

- Ó menina, escreva-me uma carta para o meu homem!
- O que queres que eu escreva Preta?
- Não sei, o que a menina achar!...

Eu era amiga da Preta, não podia defraudá-la.

«Tenho muitas saudades tuas, amor, quando voltas»?...

E outras coisas belas que se dizem quando se está apaixonada!...
Tudo da minha lavra.
Que felicidade nos olhos da Preta!

«Ó menina, sabe dizer coisas tão bonitas»!...

Passou tanto tempo!...
Gostava de te rever, Preta.
O que será feito de ti e do teu homem?...
.
Abraço.

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