quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Ainda Cabinda












Só passados alguns meses depois da minha chegada começaram a aparecer as companheiras dos outros militares (éramos cinco casais «milicianos»).
Nesses meses, eu e outra mulher de miliciano estivemos a viver em casas geminadas.
Já eu tinha a minha «recruta» quase feita, quando as outras, meio atordoadas, todas com crianças muito pequenas, aterraram no sítio que seria o menos propício ao crescimento e desenvolvimento de uma criança com dois, três anos.
Só a forte ligação aos maridos e um pouco de loucura de juventude, ajudou àquele gesto de amor.
Depois de instaladas era preciso que travássemos conhecimento.
Afinal, seríamos o apoio umas das outras nos próximos longos tempos.
Eles já eram um grupo muito coeso, foram para a guerra todos obrigados e contrariados.
Tiveram que se defender, unindo-se e fazendo uma barreira de aço, que dificilmente seria derrubada.
Então era do interesse de todos que essa barreira se reforçasse.
Foi engraçado, porque houve empatia geral entre nós e foi a partir daí que começou uma relação saudável, que nos preenchia o vazio e as saudades da família.  
Nos tempos livres deles e nossos, juntávamo-nos e o convívio era de descontracção, quantas vezes para esconder a raiva, as saudades, e a paragem forçada que resultaria no atraso nas vidas de cada um.
Todos alferes milicianos.
Ah, e um da malta que era capitão miliciano: o malogrado Felner da Costa.
Havia momentos altos.
Eram chamados à conversa assuntos muito ricos de conteúdo que eram verdadeiras aulas.
De política, de pedagogia, de sociologia, e de tudo o que cada um dominava.
Devo dizer que para mim foi uma lição de vida, foi quase um curso sem diploma, mas
assimilado, agradavelmente gravado e registado.
Obrigada, Nuno Miguel, médico psiquiatra que com a sua companheira Teresa Madureira (irónica, crítica observadora, e muito selectiva) foram uns professores com muita sabedoria, que me ensinaram muito do que hoje sei.
Ficarão comigo para sempre, amigos. Ainda que pouco nos vejamos, estamos aí.
Obrigada, Ferreira (médico) e Milú. Que apoio inicial.
Obrigada, Manuel Maia, pela alegria contagiante e disponibilidade permanente. Foste-me útil sempre que necessário e revelaste-te um amigo para o que desse e viesse.
Obrigada a todos pelas gargalhadas espontâneas e pelas tentativas de não esmorecer.
Onde estiveres, Costa, obrigada também por teres alinhado nas loucuras nocturnas das escapadelas com café quentinho, a sítios onde o teu amigo, meu marido, se encontrava com o seu grupo de combate impedido sequer de se mostrar.
Direi a todos que estão no meu coração e serão para sempre recordados com saudade.  
Obrigada, Caldeira, pela tua loucura. Diria que era a forma de te alienares, de mostrares a grande revolta que habitava em ti.
Não esquecerei o teu sorriso triste e o teu olhar revoltado.
Cabinda foi isto.
Foi revolta, foi experiência e aprendizagem permanente.
Voltarei.
Abraço

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