quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Episódios












Este tema (Angola / Cabinda) nunca será esgotado.
É demasiado rico de episódios.
Variadíssimos.
E alguns, embora com o perigo a espreitar, engraçados.
Uma vez por outra, havia a necessidade de ir à civilização.
A mais próxima naquele caso, era a cidade de Cabinda – a capital do enclave.
Como ninguém tinha carro, e mesmo que tivesse podia ser um risco, aproveitávamos a boleia dos carros da tropa.
Lembro-me que viajei de jipe, de berlliet e penso que até de unimogue.
Íamos comprar coisas para casa (electrodomésticos) desde ferro eléctrico a som, frigorífico ou outras coisas mesmo necessárias: o indispensável.
Numa dessas vezes, íamos de jipe quando, de repente, vimos ao longe, vindo da floresta, qualquer coisa em movimento.
O motorista abrandou, foi caminhando devagar e vimos aquilo que era impensável.
Três gorilas que pelo tamanho e comportamento, seriam um casal e um filhote.
Que cena digna de National Geographic.
Os três, com um ar imponente, erectos, olharam-nos com indiferença e, calmos, seguros e sem pressa, de mãos dadas por ordem segundo a altura, foram atravessando a estrada, sem demonstrarem o mais pequeno incómodo com a nossa presença.
Ficámos parados, em silêncio absoluto, até vê-los desaparecer na floresta cerrada.
Durante aquele momento, esquecemos tudo.
Pareceu-nos uma cena irreal.
Continuámos a viagem, sem outro assunto que não fosse aquela visão.
Esse foi um episódio agradável, que me proporcionou um momento bonito e de uma ternura indescritível. Uma lição de afecto, uma imagem de família coesa e unida.
Recordálo-hei sempre.
Há mais.
Tinha comigo em casa, duas vezes por semana, uma moça negra ainda jovem, que me ajudava nas tarefas mais difíceis.
Tinha uma bebé pequenina (sete, oito meses) que levava sempre às costas.
Aceitei sem qualquer problema a bebé, que muitas vezes dormiu serenamente na nossa cama.
Esta situação durou toda a comissão e criaram-se laços de afecto, apesar de ela não dizer muita coisa em português.
A Regina, assim se chamava, aparece-me um dia com a sua Maria Rosa muito colada a si e estendendo a mão em concha para mim, entregou-me um ovo minúsculo de galinha «cócó», galinha da Índia - que eles tinham lá muito nas sanzalas. 
O ovinho estava ainda quente do contacto da sua mão.
E disse-me:
- De Mari Rose, per minh’ sinhore.
Fiquei emocionada com o gesto.
Foi uma atitude de reconhecimento que me tocou.
Penso que me levou o que tinha de melhor na sua pequena palhota.
Provavelmente até lhe fez falta.
Este gesto foi de gratidão.
Ela estava reconhecida pela forma como era recebida – não só ela como a filha.
Também me lembro de um dia me ter presenteado com um cozinhado de peixe seco. Levou-o num tacho pequeno.
Ela achou que era uma comida de que eu iria gostar.
Aceitei por delicadeza, mas não consegui provar. 
Claro que nunca lhe disse.
Peixe seco.
Nunca suportei aquele cheiro.
Bonitos gestos de reconhecimento, de uma pessoa nascida sem qualquer preparação, e agindo apenas ao sabor do instinto.
Lições de vida que me deixaram mais rica…

Abraço.

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