sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Regresso e adaptação












O regresso foi desejado.
Embora fosse obrigada pela força das circunstâncias a deixar o meu marido em Luanda por mais algum tempo, era o fim da odisseia.
Em princípio, já nada podia acontecer de mau.
O pior foi voltar e retomar a vida que tinha ficado em suspenso.
Era tudo tão diferente!...
Comecei por sentir o clima.
Durante dois anos, transpirei sempre dia e noite.
Andei de pé ao léu.
Chinelos de enfiar no dedo, ou umas sandálias tipo soca.
Assim, o mais arejado possível.
Nunca os meus pés tinham tido tanta liberdade.
Quando cheguei era Julho.
Toda a gente, cá, andava feliz com o calor que chegava.
Eu, cheia de frio.
Calçar sapatos normais era história de ficção.
Todos me apertavam e me feriam os pés.
Foi muito complicado o retomar das situações normais do dia a dia.
Tudo era diferente.
Era a minha terra, era a minha gente – mas o discurso, as ideias, o registo, estava tudo a anos-luz.
O entusiasmo com o vinte e cinco de Abril não existia.
Alguma coisa que se falava, era com total desconhecimento do objectivo para que foi feito.
Nas mentalidades acanhadas da época não havia espaço para alcançar o sentido de tamanho passo.
Tinham sido quarenta e oito anos de ditadura e obscurantismo.
Mas para quem estava por dentro, foi difícil travar o entusiasmo alojado no peito.
Não havia ninguém com quem partilhar.
Apenas nas cartas que demoravam oito dias ou mais, se podia desabafar um pouco.
Desabafos sofridos de quem sentia pena por tamanho desconhecimento.
Revolta, por se ter deixado chegar um povo, àquele estado de desinteresse e ausência de
capacidade para compreender.
As atrocidades que se diziam!
E as que se pensavam!...
Para mim, foi muito complicada esta situação.
Calei muito e engoli muitos sapos vivos.
Ainda não tinha o traquejo que tenho hoje.
Ainda tinha muito sangue na guelra.
Era, e ainda sou, uma idealista!...
Das puras, só pensava que podia mudar o mundo.
Nada mais.

Abraço

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