quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Cabinda Quatro












Depois de finalmente instalada, chegou o momento de olhar para o lado.
A minha casa estava incrustada na floresta do Maiombe.
Nas traseiras, árvores de grande porte erguiam-se mostrando a sua pujança.
Algumas foram cortadas exactamente para poderem construir as quatro casas que faltavam para os militares acabados de chegar.
A pequena aldeia era habitada pela tropa, por dois comerciantes europeus, pelo
administrador de posto e outras autoridades locais e pelos indígenas.
Havia ainda uma fazenda (Fazenda Alzira), que era gerida por um fazendeiro-feitor, europeu também, que, por acaso, explorou duma forma desonesta todos aqueles que precisaram das casas que ele mesmo mandou construir e alugou, com rendas exorbitantes.
Devo dizer que as casas foram feitas com madeira verde, e que com o calor abriram tais frestas que se via a rua.
Isto levou a que eu fosse permanentemente presenteada com visitas variadas a qualquer hora do dia ou da noite.
Ele eram as baratas, ele eram as osgas, ele eram as formigas e até um ou outro morcego me entrava à noite pela casa dentro.
Habituei-me, depois de muitos sustos, a habitar naquele jardim zoológico mais ou menos rastejante.
Um colono oportunista, desonesto, que se aproveitou da situação.
Penso que o meu coração nunca mais se recompôs de tantos sustos.
O dia-a-dia era lento, escaldante e arrepiantemente silencioso.
O calor e a humidade pesavam tanto que quase me impediam de respirar.
Para uma pessoa habituada ao clima de Portugal, foi simplesmente insuportável.
Enquanto lá estive, limitei-me a fazer os mínimos. As refeições, sempre que necessário,
e no resto do tempo dormir, conversar e ler, ler, ler… Li tudo o que era possível.
Levámos muitos livros e trocávamos entre nós.
Havia sempre livros e pessoas em fila de espera.
Saía muito pouco de casa devido à canícula, mas como os bens alimentares era o meu marido que os trazia da cantina militar, limitava-me a comprar cá em baixo o pão e pouco mais.
Apesar de ter quem o fosse buscar, eu própria, de vez em quando, gostava de o fazer.
Foi aí, que me apercebi de como era diferenciado o atendimento aos brancos e aos pretos.
A casa estava sempre cheia com nativos que vinham das aldeias comprar o que necessitavam, mas, logo que um branco entrasse, tudo parava e passava à frente.
O coitado do preto já estava treinado, afastava-se sem que ninguém lhe dissesse nada.
Era uma subserviência constrangedora, humilhante mesmo.
No que a mim disse respeito, estabeleci logo ali uma regra: eu não queria tratamento preferencial, esperaria a minha vez, ainda que escorresse de suor.
Estupefacção geral, sobretudo do dono da loja.
Penso que foi inédito.
O preto era tratado como um ser sem préstimo, como um ser de terceira qualidade.
Tenho mais para contar.
Abraço.

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