terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

As férias













No fim de um longo ano de tropa, tivemos o privilégio de poder vir de férias à nossa terra.
Grande alegria.
Só havia uma sombra no horizonte.
Ter que voltar para lá.
Sofrer por antecipação.
Contar os dias, as horas, os minutos…
Bom, mas já era bom poder matar saudades, poder pensar, poder caminhar e poder conversar, fora do espaço de guerra.
Quando sobrevoámos Lisboa, foi uma sensação tão boa, tão indescritível, que foi impossível travar a emoção.
Tínhamos a família à espera que, feliz, nos levou até ás nossas origens.
Foi uma alegria imensa.
Houve no entanto uma coisa que provocou em mim estranheza.
A aldeia não me pareceu a mesma, era uma coisinha insignificante, atarracada. 
A minha aldeia, aquela a que tão ansiosamente desejei voltar, a meus olhos tinha encolhido.
Aquela aldeia não era a que eu guardava ciosamente na minha memória!
Era feita de um casario minúsculo, atarracado, e de pessoas que falavam uma linguagem a que já não estava habituada.
Parei para pensar e recentrei-me.
Estava numa escala diferente.
Tinha-me perdido das pessoas com quem me criei, tinha perdido a noção do espaço, tal era a distância, tal era a falta de contacto, tal era a concentração na tarefa que me levou àquelas terras.
Não vi nem ouvi ninguém de lá, durante aqueles trezentos e sessenta dias.
Não havia telemóveis nem internet, nem skype!...
Não havia qualquer meio de comunicação, a não ser os da tropa.
Só as cartas que demoravam bastante a chegar, e quando chegavam já as novidades eram velhas.
O discurso a que estava habituada não tinha nada a ver com a linguagem que, com muita amizade, as pessoas me dirigiam.
Eu estive muito longe fisicamente, embora sentisse muito a falta de tudo aquilo a que estava habituada, o meu cérebro não fez a transferência.
Penalizei-me por isso.
Achei que fui injusta.
Só ao fim de três ou quatro dias, é que me situei, e gozei aquele convívio a que estava habituada e de que sempre gostei tanto.
A vida, às vezes, faz de nós aquilo que não queremos ser.
O regresso doeu outra vez, mas com uma diferença: já caminhávamos para a última etapa, já regressávamos para um sítio onde nos esperavam com amizade e ansiosos por notícias fresquinhas.
Apesar de tudo, foi diferente ter que voltar lá.

Abraço.

1 comentário:

  1. Não é preciso haver cenário de guerra para experienciarmos essa "deslocação" espacio-temporal.
    Quando estamos algum tempo longe do nosso espaço habitual, das pessoas com quem lidamos diariamente, dos nossos registos de pensamento e de afecto... quando regressamos parece que não pertencemos ali... invade-nos uma sensação de estranheza... de incómodo... de perda de sentido e de desconhecimento sobre onde, efectivamente, é melhor estarmos...
    Há que desenvolver a melhor capacidade adaptativa possível... mas, mesmo assim, ninguém diz (nem sente!), ser um cenário fácil!
    Bj, Susana

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